Luís Laginha de Sousa, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), confirmou esta quinta-feira que foi aberto um processo de contraordenação contra a TAP cuja multa pode chegar a cinco milhões de euros, "já foi notificada e decorre o prazo para se pronunciar". Destacou que deve prestar informações "completas" e com "veracidade", mas pouco adiantou sobre o processo, razão pela qual a comissão de inquérito parlamentar vai pedir o levantamento do segredo de justiça. Revelou ainda que não pode participar da decisão porque subscreveu obrigações da TAP. Já o PSD denunciou rascunhos de comunicados enviados pela TAP ao Ministério das Infraestruturas.
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Segundo revelou terça-feira Manuel Beja, "chairman" da TAP, quando foi ouvido na comissão de inquérito parlamentar, a CMVM abriu um processo contraordenacional contra a transportadora devido à forma como esta comunicou a saída de Alexandra Reis da administração.
O regulador confirma que o processo foi aberto na semana passada e aguarda agora pela resposta da TAP para poder decidir sobre a contraordenação, enquanto Luís Laginha e Sousa lembra que as informações que divulga "têm de cumprir o Código dos Valores Mobiliários".
O código da CMVM, a quem cabe fazer a supervisão da TAP, prevê uma multa que pode ir dos 25 mil aos cinco milhões de euros, caso a informação prestada aos mercados não seja "completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita". Em resposta aos deputados, Luís Laginha de Sousa disse que o histórico dos emitentes é sempre tido em conta para a definição da contraordenação.
Quando a administradora Alexandra Reis deixou a TAP, a companhia comunicou à CMVM que tinha renunciado ao cargo. Já depois de ter ser noticiado que recebeu uma indemnização de 500 mil euros, a TAP emitiu um novo comunicado dizendo que, afinal, a saída tinha sido por iniciativa da transportadora.
"O processo de contraordenação tem a ver com a completude da informação", respondeu Luís Laginha de Sousa, na comissão de inquérito, instado sobre a informação que a TAP prestou aos mercados após a saída da administradora Alexandra Reis. Mas não adiantou detalhes aos deputados, alegando sigilo de supervisão e também segredo de justiça, que a comissão deverá agora pedir para ser levantado.
Proibido pela lei de participar
Além disso, explicou que não participará na decisão sobre este processo porque subscreveu obrigações na oferta pública, em 2019, antes de iniciar o seu mandato. "A lei não me permite participar nas decisões do Conselho de Administração que produzam efeitos na TAP, embora esteja em condições de prestar os esclarecimentos que possam solicitar", afirmou o presidente da CMVM, que revelou aos deputados a sua qualidade de investidor na empresa.
Questionado pela deputada bloquista Mariana Mortágua, o presidente da CMVM insistiu que não podia dar mais mais informação sobre o processo, nem sequer à porta fechada. Em seguida, o presidente da comissão de inquérito, Jorge Seguro Sanches, disse que os deputados irão avaliar um pedido de levantamento de sigilo junto dos tribunais.
"Qualidade e tempestividade da comunicação"
Embora recusando entrar em detalhes, Luís Laginha de Sousa explicou que o processo tem a ver com a qualidade e tempestividade da comunicação de renúncias de administradores da TAP, sem esclarecer se o âmbito da investigação abrange mais casos para além da saída de Alexandra Reis.
Questionado sobre se as informações anteriormente enviadas pela TAP ao mercado poderiam ter levado o supervisor a questionar o teor do comunicado inicial sobre a saída de Alexandra Reis, o presidente da CMVM assegurou que, "em momento algum", a informação de que dispunham "apontava que houvesse algum elemento contra o interesse dos obrigacionistas". Garante que, até surgirem notícias sobre o caso, não havia motivos para suspeitas.
CMVM avisou TAP após demissões
O deputado social-democrata João Barbosa de Melo relatou, por sua vez, que após o anúncio da demissão da presidente executiva e do chairman da TAP pelo Governo, a CMVM avisou a TAP, por email, que estava a "incumprir" as regras de informação aos investidores e a legislação sobre abuso de mercado. A companhia terá respondido que não emitiu comunicado porque a informação sobre as demissões era "pública e notória".
O deputado falou de uma intensa troca de mensagens entre o supervisor e a empresa após o anúncio feito pelos ministros das Finanças e das Infraestruturas. O anúncio foi a 6 de março mas apenas no dia 14 a TAP deu nota do ofício da Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
Questionado sobre quem era responsável pela informação então prestada, Luís Laginha de Sousa disse que "para a CMVM é sempre o emitente e quem o represente na relação com o mercado".
Pela Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco perguntou ao supervisor se a TAP enviou à CMVM os fundamentos para a justa causa para a demissão dos gestores conforme solicitado. "Não vou entrar em detalhes que possam estar de alguma forma ligados ao processo contraordenacional", respondeu. "Sabemos que a TAP não enviou nada. Pelo que percebo, a TAP também não tem essa informação", retorquiu o deputado.
TAP enviou rascunhos às Infraestruturas
Sobre o relacionamento da CMVM com a TAP, Luís Laginha de Sousa admitiu que é marcado por "fricções de pontos de vista". E afirmou ainda que a TAP não está obrigada a informar o mercado sobre o processo de privatização, porque é emitente de obrigações e não empresa cotada.
"A intenção de avançar com um processo desses pode manter-se secreta dentro da empresa", referiu.
Entretanto, do deputado social-democrata João Barbosa de Melo partiu também a informação de que a TAP enviou ao Ministério das Infraestruturas rascunhos dos comunicados que tinha de enviar à CMVM.
O deputado do PSD referiu um email que a chefe do departamento jurídico da TAP, Stéphanie Silva (casada com o ministro das Finanças, Fernando Medina), enviou no dia 16 de julho de 2021 a responsáveis do Ministério das Infraestruturas, com um documento enviado ao então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, em anexo.