Taxa de cesarianas a nível nacional é de 36%, muito acima das recomendações internacionais. Especialista em obstetrícia pede medidas para reduzir valores.
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As unidades de saúde privadas fazem cada vez mais partos e mais de dois terços deles são por cesariana, contrariando as recomendações internacionais que associam esta prática, quando usada sem motivos clínicos, a maior risco de complicações e até de morte para o bebé e para a mãe. Em 2020, os privados das regiões Norte e Centro fizeram mais de 85% dos partos por cesariana.
A nível nacional, a taxa de cesarianas em 2020 foi de 36,3%. No privado, representaram 67% dos partos e no Serviço Nacional de Saúde 30%, segundo as Estatísticas da Saúde 2020 divulgadas recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Naquele ano houve menos partos (83 873) do que no anterior (embora no privado tenham aumentado), mas a taxa de cesarianas manteve a tendência crescente dos últimos anos (ver infografia).
De 2017 para 2020, há um aumento de 8% das cesarianas no SNS e de 23% no privado, com as unidades privadas do Norte a contribuírem para esta expressiva subida. Embora com taxas acima do recomendado, os hospitais privados da Área Metropolitana de Lisboa fizeram, em 2020, 56% dos partos por cesariana, longe dos 85% praticados no Norte e Centro.
A dimensão dos hospitais privados e o número de partos que realizam (que se reflete na experiência das equipas) poderão explicar as assimetrias entre as duas maiores regiões. "No Norte, há muitos hospitais privados pequenos, com um número não muito elevado de partos, enquanto em Lisboa há vários hospitais privados grandes e com elevado número de partos", refere Diogo Ayres de Campos, diretor do Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Mas a explicação não é única: "em Lisboa há mais tradição de partos vaginais, mesmo no privado", adianta o também presidente da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal. A monitorização e as auditorias internas, feitas nos grandes hospitais privados, também podem explicar a enorme distância entre as taxas de cesariana nas unidades privadas do Norte e de Lisboa.
Carências e organização
Para Diogo Ayres de Campos, que em 2013 liderou a Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas, é importante monitorizar o que está a acontecer, mas não chega: são necessárias medidas para reduzir os números atuais.
A tendência de aumento das cesarianas, no público e no privado, é um fenómeno nacional e mundial e não vai melhorar nos próximos anos, sublinha João Bernardes, presidente do colégio de Ginecologia/ /Obstetrícia da Ordem dos Médicos. Em Portugal, "são precisos estudos mais sólidos" para justificar o que está a acontecer, mas João Bernardes acredita que há várias causas para o aumento das cesarianas.
O maior acesso ao privado, as questões relacionadas com a organização das equipas, a carência de médicos e o cansaço dos profissionais de saúde, o aumento das gravidezes tardias e gemelares (também por maior recurso a técnicas de PMA) e a questão da mãe poder escolher a hora e o médico que quer que lhe faça o parto são algumas das explicações possíveis. As vantagens financeiras - frequentemente apontadas como fator de peso, sobretudo no privado, onde a cesariana fica mais cara do que o parto vaginal - não são, no entender de João Bernardes, o principal problema atualmente. No público, os hospitais recebem incentivos se controlarem as taxas de cesarianas e no privado, refere o especialista, a Ordem dos Médicos recomendou a equiparação dos valores relativos dos atos médicos cesariana e parto vaginal.