Agência europeia dá luz verde à vacina Pfizer/BioNTech, naquela que é a primeira autorização de introdução no mercado. Com ensaios em 44 mil pessoas e eficácia de 95%, começa a ser administrada em Portugal no dia 27
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21 de dezembro ficará, para sempre, na História. Dia histórico para a Ciência. Dia histórico para a União Europeia. Com a autorização, pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), de introdução no mercado da primeira vacina contra a Covid-19. Desenvolvida pela Pfizer e BioNTech, a Cominarty garante uma eficácia de 95%. Bruxelas já deu, também, o seu aval, assinalando-se a 27 o dia em que os Estados-membros começam a administrá-la. Portugal incluído.
"A vacina não é uma bala de prata que nos vai permitir regressar à normalidade, mas é um passo enorme na direção certa para que 2021 seja mais brilhante do que 2020", afirmou a diretora-executiva da EMA. Emer Cooke falava, assim, de escala, da necessidade de mais e mais vacinas para que se atinja o "ponto de inversão". Até lá, apelou, "devemos fazer o nosso melhor: usar máscara, lavar as mãos e assegurar o distanciamento". Quanto à nova variante detetada no Reino Unido, disse "não haver evidência de que a vacina não funcione".
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Naquela que foi uma aprovação sem precedentes: "Onze semanas em vez de um ano ou mais". Tendo como primeira prioridade "a segurança", sublinhou aquela responsável (ler Perguntas & Respostas). Para o efeito, foi levado a cabo o maior ensaio clínico de sempre, com 44 mil participantes, como destacou o presidente do Comité de Medicamentos de Uso Humano (CHMP). Daquele universo, metade recebeu a vacina, enquanto à outra metade foi administrado um placebo. Concluíndo-se por uma eficácia de 95%, inclusive em pessoas com risco de Covid-19 grave (diabéticos, asmáticos, hipertensos ou obesos).
Eficácia essa que não olhou nem a género, nem a raça, lê-se no documento da EMA. Quanto a efeitos secundários, garante a autoridade europeia, ligeiros a moderados, normais numa vacina: dor e inchaço no local da injeção cansaço, dor de cabeça, arrepios ou febre. Esta vacina, refira-se, é administrada com duas injeções no braço com, pelo menos, 21 dias de intervalo.
Com uma outra segurança, explicou, por sua vez, ao JN o epidemiologista Carmo Gomes. "Os efeitos secundários surgem nas primeiras seis semanas e, neste caso, os participantes foram vigiados durante oito semanas". Uma "garantia de que não vamos ter grandes surpresas, porque os efeitos já surgiram", afirmou o perito que assessora o Governo no combate à pandemia.
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Naquilo que considera ser o "princípio do fim da pandemia", o pneumologista Filipe Froes avisa: "Saibamos nós aproveitar esta oportunidade para nos vacinarmos". Na mesma linha, o presidente do Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento, Rui Santos Ivo, falou num "passo decisivo no combate a esta pandemia que nos afeta a todos".
Um processo feito em tempo recorde, sem retirar etapas e salvaguardando três pilares: segurança, eficácia, qualidade. Isso mesmo havia garantido, em entrevista ao JN, o vice-presidente do CHMP, Bruno Sepodes: "Não se saltaram etapas, nem se facilitaram os procedimentos, reduzindo as exigências". Usaram-se, sim, ferramentas regulatórias que permitiram passar à fase seguinte a meio da anterior, com destaque para a revisão em contínuo ("rolling review") que possibilitou à EMA ir analisando os dados à medida que iam chegando.
Ao "rolling review", afirmou Carmo Gomes, acrescem outros dois pontos fulcrais e que justificam a celeridade. O recurso a "uma tecnologia que não manipula o vírus" (ler Perguntas & Respostas) e "o financiamento de risco às empresas, um passo gigante" que permitiu avançar para o fabrico ainda sem autorização, sublinhou o epidemiologista.
Refira-se, por último, que a vacina começa a ser administrada, no nosso país, no próximo dia 27. Serão apenas 9750 doses, destinadas aos profissionais de saúde dos centros hospitalares universitários do Porto, São João, Coimbra, Lisboa Norte e Lisboa Central, revelou a ministra da Saúde. O primeiro grande lote, de 303 mil unidades, é esperado a 5 de janeiro. Portugal encomendou 22 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, num investimento de 200 milhões de euros.
PERGUNTAS
Estamos perante a vacina mais rápida da História?
As empresas BioNTech (Alemanha) e Pfizer (EUA) já deixaram o seu marco quando o uso de emergência da vacina foi aprovado por países como o Reino Unido e os EUA. A luz verde para a União Europeia confirma, agora, um dia histórico para a Ciência, com a aprovação de uma vacina em poucos meses. Por comparação, a vacina contra a meningite demorou quase cem anos entre a descoberta do patógeno e a sua aprovação. Havendo doenças como a malária ou dengue a que a ciência não conseguiu ainda dar resposta.
Qual a importância da publicação do código genético do SARS-CoV-2?
Quando, a 12 de janeiro, a China publicou o código genético do vírus SARS-CoV-2, a BioNTech/Pfizer, especializada em tecnologia RNA mensageiro para doenças infeciosas, avançou para o desenvolvimento da vacina. Esta tecnologia, até agora nunca usada, dispensa a manipulação de vírus, como acontece nas vacinas tradicionais, que os abrandam ou inativam.
Num processo tão rápido, dispensaram-se fases do processo de validação?
Conforme a infografia explica, não se saltaram passos. Aceleraram-se. O que acontece é que, quando se chegava a meio de uma fase, avançou-se para a seguinte, quando no método tradicional só após a conclusão da primeira fase. Em emergência sanitária mundial, concentraram-se tempo e recursos. Daí que decorram ainda ensaios de nível II e III da vacina da Pfizer.
Que mecanismo regulatório permitiu que se acelerasse o processo de avaliação?
Chama-se "rolling review", isto é, revisão em contínuo, e é uma das ferramentas de regulação que a EMA usa para acelerar a avaliação de um medicamento durante uma emergência de saúde pública. Por norma, os dados sobre eficácia, segurança e qualidade de um medicamento são apresentados no início da avaliação de um pedido de autorização. Já a revisão em contínuo permite que o comité de peritos analise os dados à medida que vão chegando, a partir dos estudos em curso, antes mesmo de decidir que existem informações suficientes e que a empresa pode apresentar um pedido formal de introdução no mercado.
Como vão ser monitorizadas as reações adversas?
Até à data foram reportados quatro casos de reações adversas, que levaram as autoridades do Reino Unido e EUA a alertar que pessoas com histórico de alergias graves não devem ser imunizadas. A EMA já fez saber que durante dois anos vai monitorizar de perto a segurança das vacinas, centralizando os efeitos secundários no "EudraVigilance", sistema de vigilância europeu. O objetivo é identificar riscos para uma atuação rápida.