Zelensky esteve em Portugal. Um momento significativo, mesmo que a visita só tenha acontecido mais de dois anos depois do início da guerra, mesmo que o presidente ucraniano tenha passado por metade do mundo antes de aterrar em Lisboa. Um momento simbólico que não podia deixar de marcar a campanha desta terça-feira.
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Ouviram-se frases inócuas de solidariedade dos candidatos. Foi pretexto para algumas picardias entre liberais e bloquistas, com os primeiros a classificarem os segundos de “eurosonsos”, e os segundos a acusarem os primeiros de usarem “estratagemas da extrema-direita”. Não poderia ter faltado também a habitual eulogia dos comunistas sobre a paz ou a crítica à entrega de armas à Ucrânia, que só “contribui para a continuação da guerra”. Também ajuda os ucranianos a evitarem ser obliterados pelas tropas do autocrata Putin, mas isso aparentemente não interessa nada.
A visita de Zelensky podia ter sido também o pretexto para ouvir o que os candidatos têm a dizer sobre a política de defesa e segurança da Europa. Ou sobre a necessidade de investir na indústria de armamento europeu. Ou sobre a criação de uma força militar europeia de reação rápida. Ou sobre a pressão constante para que Portugal, a exemplo do que já fazem outros parceiros europeus, aumente a despesa militar e se aproxime da “meta” dos 2% do PIB. Sendo certo que a defesa e segurança da Europa é, segundo o Eurobarómetro da Primavera, a maior preocupação dos eleitores europeus e, em particular, dos portugueses.
Não vale a pena, no entanto, ser demasiado crítico com alguma falta de massa crítica entre os candidatos. Nem precipitado. Esta terça-feira também foi dia de debate televisivo (que só acontece já depois do envio desta newsletter). Aguardemos para ver o que por lá se dirá, sendo certo que o debate será um dos temas do próximo “Radar Europa”. Fica prometido, no entanto, que, por aqui, se vai dando nota do que se passa, mas não se dão notas aos candidatos. Essas ficam para o encontro de cada eleitor com o boletim de voto a 9 de junho. Ou ainda antes, a 2 de junho, se for um dos muitos milhares que já se inscreveram para votar antecipadamente, como Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro.
O candidato “mais bonito”
Tânger Correia, cabeça de lista do Chega, foi o entrevistado da edição desta terça-feira no JN. Pode ler a versão escrita aqui, ou, se preferir, a versão em vídeo aqui. Vale a pena destacar três ideias: que o discurso anti-imigração continua a ser um dos pratos fortes, com um convite aos imigrantes ditos “ilegais” que “voltem para os seus países ou arranjem uma solução melhor”; que o Chega vai continuar integrado no grupo europeu Identidade de Democracia (a não ser que acabe por se forjar um novo grupo que agregue a direita radical populista no Parlamento Europeu); e que o cabeça de lista assume que a estratégia de campanha quem a define é André Ventura, desvalorizando, com algum sentido de humor, o facto de só agora a sua foto aparecer nos cartazes de campanha: “assim o candidato mais bonito aparece no fim”.
Se por acaso não leu ainda as entrevistas já publicadas no JN a outros cabeças de lista, está sempre a tempo: consulte o nosso separador sobre as eleições europeias e aproveite para confrontar as ideias de Tânger Correia com as de Catarina Martins (BE), João Oliveira (CDU), Francisco Paupério (Livre), Pedro Fidalgo Lopes (PAN) e Cotrim de Figueiredo (IL). Nos próximos dias será a vez de Marta Temido (PS) e Sebastião Bugalho (AD).
Triângulo amoroso no feminino
Giorgia Meloni, Marine Le Pen e Ursula von der Leyen são, por estes dias, as protagonistas de um triângulo amoroso na política europeia. A líder da União Nacional francesa pisca o olho à primeira-ministra italiana, sonhando com um novo super-grupo da direita radical populista em Estrasburgo. Enquanto isso, a atual presidente da Comissão Europeia afaga o ego à incontestada estrela da política italiana, que é também cabeça de lista dos Irmãos de Itália, percebendo que a maioria de que precisa para revalidar o mandato no Parlamento Europeu pode estar por um fio (em 2029 foi eleita por escassos nove votos, entre os mais de 700 que compunham o hemiciclo).
Meloni, entretanto, faz cara de poker e espera para ver quem é a melhor pretendente. Mas não esconde a satisfação de ser assim tão flagrantemente cortejada à Direita e mais à Direita ainda. Como a própria disse em entrevista à RAI, a estação pública de televisão: “Deveríamos estar felizes. Já não me lembro de ver a Itália ser um ator central na Europa. Nós somos os únicos que podemos provocar uma mudança”.
Ameaça de divórcio ao centro
Segundo alguns dos especialistas nos bastidores das políticas europeias, o mais provável é que Meloni mantenha a sua família política autónoma (ECR, Conservadores e Reformistas Europeus) e faça jogo duplo. Alianças pontuais mais à Direita quando estiver em causa reverter políticas ambientais ou migratórias, alianças mais ao centro, com o PPE, quando estiverem em causa cargos fundamentais que definem o destino dos milhares de milhões que circulam todos os anos pelos corredores de Bruxelas.
Seja qual for o resultado, o namoro é arriscado para Ursula von der Leyen. A grande maioria moderada de que fazem parte, quer a sua família política (Partido Popular Europeu), quer os socialistas e os liberais, dá sinais de fratura. Os socialistas em particular já deixaram um aviso: qualquer acordo da atual presidente da Comissão ou do PPE com o ECR, quando chegar a altura de decidir quem ocupa os lugares mais importantes nas instituições europeias, resultará num divórcio litigioso.