Já teve melhor fama, mas continua a ser o contracetivo mais usado em Portugal. Médicos reconhecem possíveis efeitos secundários. Ainda assim, é uma opção segura, garantem. Mesmo quando tomada de forma ininterrupta.
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Para Graça Salgueiro, hoje com 37 anos, a utilização da pílula foi, durante largos anos, inquestionável. Tomou-a entre os 16 e os 30 anos, começou por sugestão da ginecologista, na perspetiva de ajudar a controlar o período, teimosamente irregular, depois manteve-a por ser uma solução simples para evitar gravidezes indesejadas. Mas com o tempo o desconforto foi crescendo, sobretudo antes e depois de menstruar. Frequentemente, a tensão pré-menstrual roçava o insuportável. Acresce que sempre ouviu dizer que a pílula tinha “mais efeitos adversos”. Vai daí, decidiu falar à médica, ela sugeriu-lhe a utilização do anel vaginal (que também liberta hormonas para prevenir a gravidez), Graça resolveu experimentar, rapidamente se rendeu. “Senti-me mais leve. E não tenho que me preocupar em tomar um comprimido todos os dias.”
A mudança decidida por Graça está longe de ser caso único. Em 2019, o “El País” chegou a anunciar uma “revolução” da geração millennial, que estaria a dizer não à pílula, em detrimento de outras soluções. Nas razões apontadas pelo jornal espanhol, destacavam-se fatores como os efeitos secundários, o facto de as mulheres terem tomado consciência do próprio corpo, o feminismo ou o preço. Porém, as notícias da morte da pílula foram manifestamente exageradas. Em Portugal, por exemplo, continua a ser rainha dos métodos contracetivos entre os mais novos. De acordo com um inquérito do Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos, o fármaco é hoje usado por 47% das jovens portugueses, percentagem que supera o uso do preservativo masculino (42%). Ainda assim, Fernando Cirurgião, diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (São Francisco Xavier), admite que, pela sua experiência, “há três ou quatro anos tomavam-se mais pílulas” do que agora.
O que nos leva à pergunta que serve de mote a este texto: afinal, quais são as vantagens e desvantagens da pílula? Antes de responder, impõe-se uma ressalva: as pílulas podem ter apenas progestativo (regra geral, são tomadas de forma ininterrupta) ou serem combinadas (neste caso, acrescenta-se o estrogénio e há uma pausa de sete dias ao fim de três semanas). Como explica Adriana de Sousa Lages, médica especialista em endocrinologia e nutrição, “o progestativo é o principal responsável pelo efeito contracetivo de inibição da ovulação e o estrogénio é responsável pelo controlo do ciclo.” O que nos leva aos tais efeitos benéficos da pílula – para lá, claro, do seu principal propósito. Há progestativos que, dependendo da sua composição, têm benefícios “sobre a pele e excesso de pilosidade, sobretudo pela sua ação anti-androgénica, e sobre a retenção de água e sódio, pela ação antimineralocorticoide”, destaca a especialista. Já o controlo do volume e duração do sangramento menstrual “pode também ser vantajoso em mulheres com anemia por deficiência de ferro e constituir um benefício adicional, sempre após uma avaliação clínica criteriosa”.
Teresa Bombas, médica especialista em ginecologia e obstetrícia, que integra a direção da Sociedade Portuguesa de Contraceção e o Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, também destaca as vantagens da pílula: “Trouxe às mulheres a possibilidade de uma contraceção eficaz e uma melhoria na dor menstrual, controlo de hemorragias menstruais abundante e alterações do humor pré-menstruais. Veio, portanto, melhorar a qualidade de vida da mulher”.
Há, no entanto, um outro lado. E voltamos aos efeitos secundários. Teresa Bombas é pragmática: “A pílula é um medicamento. Tal como todos os medicamentos, pode ter riscos e tem benefícios. Em mulheres saudáveis, os benefícios são em muito superiores ao risco. A pílula é um medicamento seguro, desde que a sua utilização seja orientada por um profissional de saúde.” Posto isto, sim, é verdade que “algumas mulheres podem ter agravamento ou aparecimento de dores de cabeça, enjoos, alterações de humor”. A clínica ressalva, no entanto, que “a maioria das mulheres não tem efeitos colaterais”. Adriana de Sousa Lages acrescenta a hemorragia intracíclica (ou “spotting), a dor ou tensão mamária e possíveis alterações do peso corporal.
Com alguma frequência, é ainda referido o risco acrescido de trombose ou hipertensão. Porém, a clínica garante que não há motivo para alarme. “O risco de tromboembolismo venoso, ou seja, o risco de formação de coágulos sanguíneos, é um efeito adverso grave, mas raro neste contexto, especialmente em mulheres sem fatores clínicos de risco como tabagismo e obesidade.” Quanto à hipertensão arterial, salienta que o uso de estrogénios pode condicionar uma elevação ligeira da pressão arterial “que é geralmente reversível com a sua suspensão”. No caso das mulheres que já vivem com diagnóstico de hipertensão, o caso pode ser mais bicudo, dado que “a coexistência de hipertensão e o uso de estrogénios, especialmente em mulheres fumadoras, pode associar-se a maior risco de complicações cardiovasculares como o AVC ou o enfarte agudo do miocárdio”. Daí que a escolha da pílula usada por cada mulher deva ser um ato altamente personalizado. “Há algumas particularidades que devem ser tidas em conta no momento de escolha.”
Pílulas contínuas são seguras
No caso das pílulas tomadas de forma ininterrupta, há ainda mais receios. É comum ouvirmos que “não menstruar não é natural”, que “não é bom para o organismo”, que “o sangue ficar no útero não é bom”. Ideias totalmente erradas, frisa Fernando Cirurgião. “O sangue não fica em lado nenhum, isso é um mito”, vinca. Na verdade, a eventual ausência de menstruação (eventual porque não é um dado adquirido) prende-se com o facto de o progestativo manter o endométrio fino e inativo, não havendo tecido suficiente para “descamar”, e de inibir a ovulação em muitos ciclos, pelo que não se verifica a privação hormonal natural que desencadearia o sangramento. Na verdade, assegura o ginecologista, esta pílula é “perfeitamente segura”.
E em relação ao anel vaginal, ao implante e ao DIU, quais são os pontos fortes e fracos da pílula, no geral? Fernando Cirurgião ajuda a esclarecer este ponto. Desde logo, diz, os últimos três têm a vantagem de “minimizar os esquecimentos”. Pelo menos os diários. É que também o anel tem de ser removido ao fim de 21 dias, sendo colocado um novo ao cabo de mais sete dias. Já o implante e o DIU são métodos contracetivos de longa duração. Todos funcionam como métodos hormonais (ainda que as primeiras formas de DIU não o fossem): ou seja, há uma libertação de hormonas com vista a evitar uma gravidez. “A grande diferença é que, ao contrário do que acontece com a pílula, no caso do anel, do implante e do DIU hormonal não há absorção digestiva, as hormonas são imediatamente descarregadas na corrente sanguínea.” Além da questão dos esquecimentos, estes métodos apresentam ainda uma outra vantagem, aponta o clínico: “Não há interações com outros medicamentos.” O que significa que a toma de antibióticos, por exemplo, não será um problema. O mesmo em relação a eventuais gastroenterites.
Quer isto dizer que atualmente se deve dar preferência a este tipo de métodos? Teresa Bombas é perentória. “Não existe um método de contraceção ideal e para todas as mulheres. Existem muitos métodos de contraceção para diferentes mulheres com condição de saúde e necessidades diferentes, devendo a escolha ser orientada por um profissional de saúde.” Adriana de Sousa Lages reforça o apelo e alerta para os riscos do “uso indevido de outras formulações hormonais manipuladas em comprimidos por médicos não habilitados”, que “aumentam o risco de efeitos indesejados e até de morbilidade”.

