O seu poder anti-inflamatório não é colocado em causa, o estatuto de superalimento gera dúvidas, a retenção no corpo é um problema. A fama deste açafrão-da-terra vem de longe. E a pimenta-preta vem à baila.
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Comece-se pelas origens. Curcuma é uma planta da família do gengibre, de raiz amarelo-alaranjada, conhecida como açafrão-da-terra, que nasce na Índia e na Indonésia. Dessa raiz, depois de seca e moída, surge a especiaria com o mesmo nome, de tonalidade vibrante, usada na culinária, sobretudo no caril. As suas qualidades puseram-na num patamar de respeito. Contudo, a capacidade de absorção pelo organismo é uma questão que tem sido analisada. Seja como for, vinda da Ásia, ela está aí, em muitas cozinhas, em diversos pratos.
Quanto a espécies, há várias, mas a mais estudada e utilizada é a curcuma longa, o açafrão-da-terra. A nutricionista Bárbara Plácido explica como pode ser consumida: em pó, em chás, em suplementos, moída. E passa ao seu maior poder, ou seja, o combate às inflamações do corpo é um dado adquirido. "De acordo com a evidência científica atual, de facto, a curcuma tem ação anti-inflamatória comprovada." Porém, avisa, "não substitui a medicação quando esta é prescrita, ou seja, pode ser utilizada como um coadjuvante, mas não como substituto de medicação."
Bárbara Plácido fala de outros benefícios da curcumina, o principal composto ativo da curcuma. Além da ação anti-inflamatória, é antioxidante, melhora o sistema gastrointestinal, e tem vindo a demonstrar efeitos promissores na área da saúde mental, no bem-estar, na boa memória, no bom humor. Há, contudo, algumas contraindicações. "Não deve ser consumida em determinados casos, tais como, gravidez e lactação, pessoas com litíase vesicular, pessoas que tomam anticoagulantes, pessoas com problemas gástricos, como gastrite severa."
Juliana Falchetti é nutricionista, costuma colocar a especiaria em cima dos ovos ao pequeno-almoço, conhece-lhe a versatilidade. "Pode ser usada em pó, como tempero, por exemplo, no arroz, legumes e caldos. Pode ser usada fresca, ralada, em sumos e chás e em cápsulas ou saquetas como suplemento alimentar." Reconhece-lhe os méritos. "A curcumina tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, efeitos antitumorais, reguladores da imunidade. Estudos apontam potencial para colaborar no tratamento de doenças inflamatórias, neurodegenerativas, cardiovasculares, depressão, diabetes, obesidade, arteriosclerose", refere, lembrando que há estudos que referem "efeitos benéficos no tratamento da psoríase". No desporto, adianta, reduz dores e danos musculares, melhora a recuperação e a performance.
O consumo é seguro, realça Juliana Falchetti, seja como condimento ou fresco. "Já a suplementação de curcumina, apesar de muito difundida atualmente, só deverá ser feita com prescrição de nutricionistas ou médicos." Porque pode inibir a absorção de ferro, um problema para pessoas com baixo teor do mineral. "No caso de estar a suplementar ferro, deverá ter atenção em fazer a toma do suplemento de curcumina com pelo menos quatro horas de diferença entre os dois."
É uma substância segura, em sua opinião, no entanto, não recomenda o uso contínuo em altas doses sem o devido acompanhamento de quem entende do assunto. "Gestantes e pessoas com doenças graves também não devem ingerir nenhum medicamento ou suplemento sem indicação médica e/ou nutricional prévia."
O efeito da piperina
Um dos seus maiores problemas é que não fica muito tempo dentro do corpo. "O organismo apresenta alguma dificuldade em absorver este composto, por isso, para aumentar a sua biodisponibilidade, poderá ser combinado com outros ingredientes", diz Bárbara Plácido. E é aqui que a pimenta-preta entra em ação para evitar a rápida metabolização e eliminação da curcumina. Neste caso, mais vale acompanhada do que sozinha.
Rafael Loureiro, nutricionista, toca nesse ponto. "A sua associação com piperina, o maior componente ativo da pimenta-preta, já demonstrou aumentar a biodisponibilidade da curcumina em 2000%", sustenta. A pimenta-preta tem um composto chamado piperina que potencia os efeitos da curcumina.
Juliana Falchetti concretiza e acrescenta: "A curcumina, tanto na forma de alimento (quando consumida fresca), quanto na forma de suplementação, é melhor absorvida e tem os seus efeitos potencializados quando associados à piperina, princípio ativo da pimenta-preta, e a gorduras. As formulações farmacêuticas no formato lipossomal, por exemplo, também apresentam melhor eficácia."
Rafael Loureiro mune-se de informação científica para falar do assunto. Os estudos sucedem-se. "Apesar dos seus alegados benefícios na diminuição da inflamação, um trabalho de revisão de 2019 não encontrou reduções significativas numa série de marcadores inflamatórios com a suplementação de curcumina durante quatro a 16 semanas." Aqui como a curcumina não foi utilizada em associação com a piperina, a sua biodisponibilidade pode ter ficado comprometida.
Em 2023, mais pesquisas, mais 13 trabalhos com duração de quatro a 12 semanas, que corroboram a ausência de um benefício significativo na maioria dos marcadores inflamatórios avaliados, apenas efeitos relevantes em dois marcadores. "Este trabalho avaliou também o efeito da suplementação noutros parâmetros, tendo também encontrado melhorias significativas no perímetro da cintura, glicemia em jejum, pressão arterial diastólica e colesterol HDL." Além disso, lembra Rafael Loureiro, "uma revisão sistemática de 2020 concluiu que a suplementação de curcumina pode ser útil para aliviar a dor e melhorar a função física na osteoartrite, com uma qualidade de evidência moderada".
Uma revisão mais recente, já deste ano, que incluiu 25 estudos, "encontrou benefícios na suplementação de curcumina em marcadores de stress oxidativo e inflamação, perfil lipídico, doenças musculoesqueléticas e muitos outros parâmetros ou patologias avaliadas". No entanto, aqui também houve dúvidas, já que, sublinha Rafael Loureiro, "a qualidade da evidência para a esmagadora maioria destes resultados foi classificada como baixa a muito baixa, sem mencionar que este trabalho em concreto foi financiado por uma instituição de medicina tradicional chinesa, um conflito de interesses relativamente habitual de se observar nestes estudos e que coloca naturalmente em causa a confiança nos resultados."
No que diz respeito à segurança, apesar de existirem valores estabelecidos pela EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), de 0-3 mg/kg de peso corporal por dia, foram observados alguns efeitos secundários. "Alguns trabalhos reportam que alguns participantes experienciaram sintomas como diarreia, dor de cabeça, erupções cutâneas e fezes amareladas após a toma de uma dose de 500-12 000 mg de curcumina." Noutro trabalho, recorda o nutricionista, "onde os participantes tomaram 0,45-3,5 g/dia de curcumina durante um a quatro meses reportaram, também, náuseas e diarreia, bem como um aumento nas concentrações séricas de marcadores como a fosfatase alcalina e desidrogenase láctica."
É uma moda ou uma raiz com virtudes? As opiniões dividem-se. "Os benefícios da curcumina, composto bioativo da curcuma, são reais e nada têm de moda. A curcuma, como condimento, pode ser usada pela família toda, independentemente da idade", responde Juliana Falchetti para quem o estatuto de superalimento é justo e adequado. "A meu ver, se a curcuma fosse um filme, mereceria um Oscar", compara. Bárbara Plácido considera o estatuto de superalimento "um pouco exagerado", ao lembrar que "os seus efeitos dependem da forma como é consumida, assim como da sua quantidade e frequência".
Rafael Loureiro volta à ciência. "Apesar de ser um suplemento com alegações interessantes, a evidência ainda carece de uma devida robustez científica." E não só. "Podemos concluir que, mesmo utilizando suplementos cujas formulações potenciem a sua biodisponibilidade e ignorando os problemas de conflitos de interesses e baixa qualidade de evidência, o seu potencial efeito benéfico é, no máximo, bastante modesto e sem dúvida bastante inferior ao expectável e alegado."
A investigação prossegue, procuram-se confirmações, outros benefícios, quem sabe. "Contudo, até lá e de acordo com a evidência que temos até ao momento, não me parece existir um motivo suficientemente robusto para recomendar a suplementação de curcumina", conclui Rafael Loureiro. A fama existe, os argumentos continuam em avaliação.