"Cidadania Impura" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Valter Hugo Mãe
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Adélia Prado abeira Deus como quem chama um filho. A fé limpa de seus poemas é um superpoder, algo que faz do Criador uma companhia vencida pela ternura. Só assim faz sentido um Deus que exista, aquele que, tão amado, se entrega em todo seu perigo e sonho, aquele que se entrega grato por ter em quem descansar. Com Adélia Prado, Deus descansa. É completo. E nenhum Deus seria completo sem alguém assim.
Aprendo com ela que Deus precisa de ter em quem acreditar. Acredita em Adélia e julgo que chega a ser feliz. Que melhor ofício haveríamos de ter senão o de acarinhar Deus como um filho e ajudá-lo a ser feliz?
A sua poesia é uma ciência de revelação. Usa o quotidiano e a vida em sua simplicidade como se cada coisa fosse espiada igual a um buraco de fechadura. Ela mira. O que se vê é ao tamanho do coração, ao tamanho da fé, mas jamais ao tamanho da evidência. Ela deita a palavra ao invisível e ao silêncio, e mostra. Tem a capacidade de mostrar o que começa por não ser de ver nem escutar.
São raros os poetas que descortinam a maneira de serem humanos e sobre-humanos assim, com os pés entre terra e céu, como os semideuses de antigamente que eram nascidos de amores mestiços daqueles que desciam do Olimpo até ao lugar das criaturas. Se Adélia é normal, ela não sabe apenas o normal, ela entende, e o entendimento com a sua maturidade não acontece aos comuns. Acontece aos escolhidos.
A chegada de um livro novo às livrarias parece uma pronúncia do Divino. Que curioso que a poeta viva em Divinópolis, essa cidade com nome para sair inteira do Planeta até às nuvens. E quem toma o livro nas mãos reitera essa mulher de quase 90 anos que carregou com toda a ternura a sua candura infantil por toda a idade e não a deixou cair. Como quem soube fazer as tarefas da vida inteira segurando nas mãos o mais delicado cristal, e ele não partiu. Adélia preparou o peixe e, mesmo assim, o cristal de sua infância não partiu.
Hoje, lemos como a melhor idade é aquela que preserva a glória maior de cada tempo. Só conheço isso em Adélia Prado. Por isso, pode inverter tudo e criar sentido em ser quem educa esse Deus antigo que vem do infinito do tempo para ser começador na gentileza do regaço de uma mulher.