A poucos dias de se lançar a Belém viveu uma tragédia pessoal. Adepto do Belenenses, vence qualquer animosidade com piadas desconcertantes. Foi deputado durante mais de 30 anos.
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Exatamente uma semana antes da data prevista para a apresentação pública da sua candidatura à Presidência da República, António Filipe recebeu a pior das notícias. Após uma longa batalha contra a doença, Orlanda, a mulher e companheira de sempre, não resistiu e faleceu. Chegava ao fim uma união que, diz quem conheceu o casal, parecia indestrutível de tão fiel à palavra amor. "Fiquei impressionado por serem mais bonitos um com o outro do que separados. É como se um fosse o outro, não o sendo", definiu o cronista Luís Osório, no radiofónico "Postal do Dia" que lhe dedicou na Antena 1.
Tó Filipe, ou simplesmente Tó, como é tratado pelos mais próximos, sofreu em silêncio mas recusou alterar planos e levou até ao fim o compromisso que assumira com o PCP, cujo Comité Central aprovara o seu nome por unanimidade. A 14 de julho, na Voz do Operário, em Lisboa, fez o esperado anúncio. Subiu ao púlpito e leu o discurso de quase 4500 palavras que trouxe escrito de casa sem se interromper durante 34 minutos - apenas parou por uma vez durante breves segundos para beber água. Falou de um "Portugal marcado por profundas desigualdades e injustiças", do "estado de degradação" da democracia nacional, da Direita que "controla hoje todos os órgãos de soberania". E pediu o "apoio de todos".
Deputado desde 1989 - apenas falhou a eleição nas legislativas de 2022 e nas de maio deste ano -, foi vice-presidente do Parlamento, onde durante mais de três décadas cultivou uma imagem de consenso. "Sempre foi capaz de criar pontes com outras forças políticas", elogia Bernardino Soares, que partilhou a bancada do PCP com António Filipe. "Evidencia-se pelo profundo traço humano e a sensibilidade para as questões sociais", avalia. "É de uma inteligência, generosidade e cultura que o fazem ser respeitado pelos adversários", aponta o também camarada Alfredo Maia.
Em março de 2024, ficou célebre a forma como conduziu os trabalhos parlamentares durante o longo imbróglio que durou até à eleição como presidente da Assembleia da República (AR) do social-democrata José Pedro Aguiar-Branco. "Estava longe de imaginar que me iria acontecer isto. A vida tem destas partidas", confessou, provocando os sorrisos de todos e demonstrando, como quase sempre, um sentido de humor desarmante que quebra barreiras da Direita à Esquerda. "Apesar da minha inusitada permanência em funções, não vou pernoitar na residência oficial", continuou, novamente arrancando gargalhadas.
Para lá da aparente bonomia, António Filipe não receia dar o corpo às balas, mesmo quando as opiniões que defende contradizem as da maioria. Numa entrevista ao site "Observador", considerou "profundamente injusto classificar como ditador uma personalidade como Fidel Castro". Mais recentemente, apelidou Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, de "xenófobo e racista".
Pai de dois filhos adultos e avô de um neto, não esconde a paixão pelo Belenenses, do qual é sócio com lugar na bancada central do Estádio do Restelo e membro do Conselho Geral. "Raramente falha um jogo", confirma à NM Patrick Morais de Carvalho, presidente do emblema lisboeta. "É muito participativo na atividade do clube. Alguém cujas válidas opiniões são sempre importantes, sobretudo nos momentos difíceis do Belenenses", acrescenta o dirigente.
A política surgiu cedo e também cedo a protagonizou. Foi dos militantes de primeira hora da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), quando, em 1979, o braço jovem do PCP, cuja direção viria a integrar, foi fundado.
"Destacava-se pela facilidade com que analisava legislação e rapidamente formulava posições políticas", recorda Rui Sá, que então o conheceu. "Por debaixo daquele seu aspeto rígido e formal, tinha (e tem) uma impressionante capacidade de se dar aos outros", assinala o ex-vereador da CDU na Câmara Municipal do Porto.
Ainda adolescente, pertencera à União dos Estudantes Comunistas, que nos tempos quentes do Período Revolucionário em Curso (PREC) espalhava a mensagem de Marx, Lenine e companhia pelas escolas. Fez isso mesmo na Secundária da Amadora.
Depois de concluir a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1985, representou o PCP junto de instituições como o Conselho Nacional da Juventude, cujo primeiro líder foi António José Seguro, também ele candidato a Belém em 2026. Completou o mestrado em Ciência Política, Cidadania e Governação pela privada Universidade Lusófona, tornando-se doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Leiden (Países Baixos), em 2013.
Encabeça agora a "candidatura da esperança que não fica à espera", como ele próprio a apelidou.
Cargo
Jurista e candidato à Presidência da República
Nascimento
28/01/1963 (62 anos)
Nacionalidade
Portuguesa (Lisboa)
[Perfil é uma rubrica semanal da Notícias Magazine]