Crítica de música
Corpo do artigo
As Haim canalizam uma ideia de Califórnia. Realista ou efabulada, tanto faz. É uma ideia musical, atmosférica, sempre lânguida. Algo difícil de explicar de modo tangível, mas está lá na voz de Danielle Haim, na forma como o sol e o calor parecem invadir quase todo o campo sonoro. Desde a estreia nos álbuns, em 2013, com “Days are gone”, que assim é. E dessa evolução na continuidade se faz “I quit” (Polydor) o quarto álbum de Danielle e suas irmãs, Alana e Este.
“I quit” tem profundidade de campo e, ao mesmo tempo, transmite uma sensação de tangibilidade no seu som. Graças à generosidade de vistas e do método de trabalho (em que Rostam Batmanglij tem um papel decisivo como músico, compositor e coprodutor), múltiplos géneros e pedaços de passado da música popular cabem nestas 15 canções, quando e como lhes apetece.
Podem ter o funk como combustível – assim é “Relationships”, esculpido com x-ato, linhas de baixo de borracha; e a rasante ao disco e ao yacht rock com sweater de malha casual na felicíssima “Spinning”. Podem saudar o rock musculado para arenas da década de 1970, caso de “All over me”. Podem ter a escala do indie, vertido na dream pop que dá sustento a “Lucky stars” e a “Million years”, urgente e agitada e apaixonada.
Amiúde, as canções de “I quit” têm um pouco de vários destes fatores em fluida coabitação no espaço de uma canção. Repare-se em “Down to be wrong”, rock tonificado e refrão com vestígios de country-pop e, em especial, de Shania Twain – que Danielle Haim convoca, e não é de hoje, no seu canto elástico e elegante (ouça-se também a quase narcótica “Trying to figure me out”). Ou na confluência de voluptuosidade da costa oeste e melancolia country em “Love you right”. Ou na forma como os Rolling Stones da era “Sticky fingers” medeiam a folk-rock-gospel de “The farm”. No final, a guitarra motosserra de The Edge em “Numb”, dos U2, é repescada para dar gasolina a “Now it’s time”. Não é tempo para desistir.