Novo treinador do F. C. Porto alimenta a paixão pelo futebol com a literatura e a filosofia. Estudou a obra de grandes pensadores, escreveu teses universitárias e é conhecido pelo “espírito crítico muito grande”. Um texto na Internet lançou-o para a ribalta.
Corpo do artigo
Com as devidas distâncias, bem entendido, até se pode dizer que Francesco Farioli é uma espécie de Albert Camus, um discípulo talvez. Como o novo treinador do F. C. Porto, também o grande escritor francês era apaixonado por futebol e ambos foram alimentando essa paixão no papel de guarda-redes. Farioli e Camus partilham ainda a devoção à filosofia e mesmo que as parecenças, assim à superfície, fiquem por aí, não é coisa pouca, se pensarmos, por exemplo, que o sucessor de Martín Anselmi escreveu uma tese de doutoramento sob o título “Filosofia do Jogo: a estética do futebol e o papel do guarda-redes”. Estávamos ali nos inícios da década de 2010 e o documento, que lhe valeu quase a nota máxima, defendia que o futebol não é apenas um jogo, mas um reflexo da própria vida. Camus outra vez: “O pouco que sei sobre moralidade, aprendi num campo de futebol”.
Por essa altura, já Francesco Farioli tinha na cabeça que queria ser treinador, desejo que virou fixação depois de, ao que consta, um treinador o ter chamado à razão quanto à sua suposta incapacidade em fazer uma carreira decente como guarda-redes. Dava os primeiros passos na vida adulta e o refúgio contra a desfeita foram os livros, a filosofia e a literatura, Jean-Paul Sartre e Fiodor Dostoievski, Sócrates e Immanuel Kant, seguindo-se a matrícula na Universidade de Florença, onde se dedicou a traçar semelhanças, aproximações e incompatibilidades entre a filosofia e o futebol, os filósofos e os treinadores, o jogar e o pensar... Enfim, a pensar o jogo. “A verdadeira liberdade reside na escolha de se limitar. E jogar em equipa exige a aceitação prioritária de um sistema de regras que limitam a liberdade do indivíduo, mas garantem a sobrevivência do grupo”, escreveu num dos muitos textos que foi publicando ao longo desses anos, segundo a revista neerlandesa “Filosofie Magazine”. Também aprofundou as ideias do historiador Johan Huizinga e do pensador Eugen Fink, referências literárias a refletir sobre o jogo e o jogar como atividade lúdica, mas essencial para o desenvolvimento humano.
Em simultâneo com a carreira académica, este filho de Barga, uma pequena comuna italiana na região da Toscana, considerada uma das aldeias mais bonitas de Itália – talvez as raízes da sua convicção dostoievskiana de que “a beleza salvará o Mundo” estejam aí –, escrevia regularmente em blogues extensas análises minuciosas sobre equipas e treinadores, apurando aí o conhecimento para uma futura carreira como treinador. E seria um desses textos a facilitar-lhe a chegada ao Dragão com apenas 36 anos. Contudo, antes desse convite de Roberto de Zerbi para se juntar à equipa técnica do atual treinador do Marselha, em 2017, e que se revelaria determinante para o que seguiu, Francesco foi pondo em prática a imensa teoria acumulada nos anos anteriores nas profundezas do Calcio, primeiro no Margine Coperta e depois no Fortis Juventus, alternando entre as funções de treinador de guarda-redes e adjunto. Seguiu-se uma passagem pela famosa Academia Aspire, no Catar, onde se cruzou com o português João Nuno Fonseca, esta semana anunciado como novo treinador do Leixões, da Liga 2. “É uma pessoa muito aberta, com um espírito crítico muito grande. Na altura, eu era analista e ele era treinador de guarda-redes, mas sempre foi alguém muito interessado pelo jogo, muito estudioso. Trocávamos opiniões, discutíamos, passávamos a semana a analisar equipas e jogos que víamos no fim de semana. Ele não tinha medo de opinar, de ser criticado ou rebatido, era alguém muito aberto à discussão e ao diálogo”, conta o ex-treinador adjunto do Ulsan (Coreia do Sul), de onde saiu para liderar a equipa de Matosinhos. Esta predisposição para falar, ouvir, partilhar e absorver conhecimento explica por que motivo, sempre que pode, aceita convites para dar palestras, participar em seminários ou assistir a conferências, seja onde for e até de outras modalidades, principalmente futsal.
Até que, finalmente, chegou o tal telefonema de Roberto de Zerbi, que nunca mais esqueceu aquele jovem que esmiuçou com tanto acerto o seu Foggia, então no terceiro escalão do futebol transalpino. Trabalharam juntos durante três anos, no Benevento e no Sassuolo, multiplicando a obsessão que os unia. “Eram 24 horas por dia focados no futebol, muitas vezes a trabalhar até de madrugada no computador. Foram bons tempos”, recordou ao francês “L’Equipe”. Entretanto, Francesco Farioli ganhou asas. Rumou à Turquia e foi lá, há pouco mais de quatro anos, que iniciou a carreira como treinador principal – Karagumruk, Alanyaspor, Nice (França) e Ajax (Países Baixos) foram as paragens antes da chegada ao Dragão. E se Albert Camus se dedicou a criar uma obra literária que lhe valeria um Nobel, depois de a tuberculose lhe tirar todas as aspirações quanto a uma carreira como guarda-redes, tinha ele 17 anos, o discípulo tem-se dedicado a construir uma ascensão fulgurante no futebol europeu. Também não está mal.
Francesco Farioli
Cargo Treinador do F. C. Porto
Nascimento 10/04/1989 (36 anos)
Nacionalidade Italiano (Barga, Florença)