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"Só muito mais tarde soube que era de uma boa marca americana: Underwood. Para mim, era uma velha máquina de escrever. Estava no escritório onde os meus pais trabalhavam em projetos de engenharia nas horas vagas dos seus empregos como funcionários públicos.
Eu adorava que os meus pais me levassem para o escritório e nem reparava nas figuras duvidosas numa Rua da Alegria onde não ia nenhum turista. Havia estiradores muito altos, rolos de papel vegetal gigantes, lapiseiras de vários tipos, mas era a máquina de escrever que me fascinava.
Pouco sobreviveu daquele gabinete, daquela Rua da Alegria, daquele tempo. Mas a máquina de escrever sobreviveu. E a minha vontade de escrever.
Há pouco tempo, o meu pai conseguiu - coisas que, mesmo assim, ainda se conseguem no Porto - arranjá-la para me oferecer. É simultaneamente um objeto de família - e na minha família não há assim tantos objetos herdados - e um objeto que me parece só meu. Tenho outras máquinas de escrever que comprei em feiras, começando uma coleção para a qual não terei espaço.
A velha máquina está agora no meu escritório, à espera daquele texto que só poderá ser escrito nela, aquele tão especial como os que eu imaginava quando teclava com os meus pequenos dedos, maravilhada por ver aparecer no papel as palavras."
Susana Moreira Marques
Jornalista e escritora
49 anos