Em apenas meia temporada bateu marcas históricas no Sporting. Filho de pai futebolista, a inspiração maior é a de um avô sapateiro. Adora séries, telenovelas e massa de frango. E de regressar a Trás-os-Montes, onde se sente sempre em casa.
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“Sou apenas o Rui Borges de Mirandela, com todos os defeitos e todas as virtudes. Um rapaz que acreditou num sonho e foi trilhando o seu caminho com mérito e competência.” As palavras são do próprio Rui Borges, ditas poucos minutos após o final do jogo em casa com o V. Guimarães (2-0) que permitiu ao Sporting festejar o título de campeão nacional de futebol, o primeiro bicampeonato do clube ao fim de sete décadas. “O meu maior desejo era que os meus, em algum momento, se sentissem orgulhosos e acho que sentem”, disse, num tom de modéstia a tocar a humildade imaculada.
Rui Borges chegou ao Sporting a meio da temporada, em dezembro, substituindo João Pereira, que, por sua vez, rendera com Rúben Amorim. Cometeu a proeza de não perder um jogo para a Liga, o que antes só uma lenda do clube de Alvalade conseguira, Fernando Mendes (1937-2016). Foram 18 jogos sem o sabor da derrota internamente.
Quando assinou contrato, tomou duas decisões. Fechou todas as contas que tinha nas redes sociais e fez valer aos jogadores uma máxima que deixou bem expressa: “Quando não há inspiração, tem de haver dedicação”.
O futebol acompanhou Rui Borges desde o berço. O pai, Manuel Borges, fez carreira profissional e chegou a alinhar em clubes na I Liga, como o Varzim ou o Tirsense. “Sempre nos disse que acreditava que podia ser campeão. O pessoal de Mirandela é só chamadas para lhe dar os parabéns”, disse Manuel aos microfones da Antena 1.
Não surpreendeu que Rui também seguisse as pisadas da bola. Depois de percorrer toda a formação no Mirandela, o clube da terra natal, a primeira camisola sénior foi a do Bragança, na então II Divisão B. Corria a época 2000/01, marcada fora de campo pelo nascimento do filho, Mário – que também escolheu o futebol e representa o Guarda FC -, tinha apenas 19 anos. Médio direito de posição, saltou para o Paredes e um ano depois teve o período mais promissor, quando assinou contrato com o Sporting de Braga.
Apesar de haver quem o alcunhasse de “Figo”, pela forma de driblar e de bater bolas paradas, em duas temporadas não passou da equipa B, onde se cruzou com os futuros internacionais Eduardo e Edinho. Assinou depois pelo Mirandela, voltou ao Bragança, tentou o Trofense, esteve no Moreirense, regressou ao Mirandela, passou pelo Famalicão e pelo Freamunde, retornou ao Bragança e ao Mirandela, onde fechou o trajeto como futebolista e lá iniciou o de treinador, em 2017/18, ele que desde cedo demonstrara curiosidade pelos exercícios e pelos seus porquês práticos. Por essa altura, o Sporting vivia tempos conturbados, com a destituição de Bruno Carvalho da presidência e a eleição de Frederico Varandas, já no início de 2018/19. “Nunca estudou, mas é licenciado e doutorado em caráter, nobreza e valores de qualidades humanas. Pode dar lições a muitas pessoas que nunca conquistaram nada na vida, mas que se acham alguém por falarem na televisão”, disse Varandas sobre Rui Borges, durante a receção aos novos campeões nacionais na Câmara Municipal de Lisboa. O mesmo Rui Borges que só se estreara na I Liga em 2023/24, quando foi contratado pelo Moreirense, de onde saiu para o V. Guimarães e daqui para o Sporting. Antes, tivera passagens pelos secundários Académico de Viseu, Académica, Nacional, Vilafranquense e Mafra.
No passado domingo, 25 de maio, depois de estar no banco na final da Taça de Portugal frente ao SL Benfica, no Estádio Nacional, Rui Borges partiu para Mirandela, a casa refúgio de sempre. Tinha à espera o abraço de familiares e amigos e o prato preferido preparado pela mãe, Cândida: massa de frango. Poderá dedicar o tempo mais solto a ver séries e telenovelas, passatempos que deixa de lado quando a pressão do futebol aperta. E estará acompanhado, como sempre, pela memória de Zé Pedro, o avô sapateiro de profissão, inspiração que traz sempre dentro de si e a quem chama carinhosamente de “minha estrelinha”, inclusive durante as conferências de imprensa do Sporting. Foi dele que carregou para a vida uma infância feliz repleta de amor, de incentivo e de conselhos sábios que recorda amiúde.