O consultório de sexualidade por Mafalda Cruz, radioncologista e sexóloga
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Sempre me disseram que a primeira relação sexual doía imenso, e acho que isso contribuiu de forma negativa para a forma como ainda hoje lido com a minha sexualidade. Como posso fazer diferente com a minha filha?
Teresa Guedes
Em consulta, muitas mulheres descrevem a primeira relação sexual como um momento de medo, mais do que de descoberta. É um medo antecipado, que começou muito antes do momento em si. “Sempre me disseram que doía muito” ou “a minha mãe disse que ia ser horrível”. Em alguns casos, o receio de dor é tal que a penetração se torna impossível. Isto acontece porque o corpo entra em tensão, a ansiedade aumenta, e tudo isto contribui para uma experiência dolorosa, vivida com desconforto, culpa ou até vergonha. Este padrão, em muitos casos, persiste durante vários anos.
A forma como falamos sobre sexualidade tem uma importância que não deve ser ignorada. Quando se transmite, repetidamente, a ideia de que a primeira relação sexual será dolorosa, essa expectativa torna-se real. O medo impede a excitação, reduz a lubrificação vaginal e aumenta a contração dos músculos do pavimento pélvico. Em resumo, cria as condições ideais para que haja efetivamente dor. E assim se reforça o ciclo: o medo leva à dor, e a dor confirma o medo.
É fundamental termos consciência da linguagem que usamos ao falar da sexualidade com adolescentes e jovens. Explicar que pode haver desconforto, mas que a dor não é inevitável. Que o corpo, quando respeitado, está pronto para a experiência. Que o desejo, o consentimento, o tempo e a comunicação são ingredientes essenciais para que a primeira vez não seja uma prova de resistência, mas um momento de descoberta.
Curiosamente, sobre o parto (uma experiência objetivamente mais dolorosa) o discurso é muitas vezes suavizado como forma de proteção: “a dor passa”, “vale a pena”, “o corpo sabe o que faz”. Com a sexualidade feminina, o tom é outro: de alerta, de proibição ou de sofrimento antecipado.
A primeira relação sexual não tem de doer. Mas o medo que transmitimos através das palavras pode tornar-se o maior obstáculo. Cabe-nos, como sociedade e como educadores, quebrar esse ciclo com informação, empatia e responsabilidade.
*A NM tem um espaço para questões dos leitores nas áreas de direito, jardinagem, saúde, finanças pessoais, sustentabilidade e sexualidade. As perguntas para o Consultório devem ser enviadas para o email magazine@noticiasmagazine.pt