Projeto da Universidade de Aveiro está também a tentar aproveitar biomassa para criar novos produtos.
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Investigadores da Universidade de Aveiro estão a usar fungos para degradar microplásticos, num esforço para encontrar respostas naturais que ajudem a lidar com este problema ambiental - a produção anual de plástico ultrapassou a marca de 300 milhões de toneladas e a reciclagem não parece estar a ser suficiente para lidar com o descarte destes resíduos, que se acumulam tanto em terra como nos oceanos. Mas não só. Querem ainda aproveitar possíveis propriedades da biomassa resultante para criar novos produtos. O projeto, que dá pelo nome de BioPlasMar, é financiado com 225 mil euros pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e está já na reta final. É preciso depois conseguir escalar este conhecimento para ser aproveitado pelo mercado.
“O ponto de partida foi pegar num fungo marinho, o Zalerion maritimum [um fungo relativamente frequente em Portugal que cresce na madeira que está junto à água], e, considerando que a celulose é um polímero natural, ver se conseguíamos condicionar o fungo de forma a que ele degradasse um polímero sintético”, explicou João Pinto da Costa, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA), que coordena o BioPlasMar – Remoção de plástico e valorização dos recursos marinhos gerados através do desenvolvimento de novos produtos.
No âmbito deste projeto, o fungo é cultivado em ambiente laboratorial com microplásticos (partículas de plástico com apenas um a dois 2 milímetros de dimensão), degradando-os e gerando uma biomassa. Depois, os investigadores pegam nessa biomassa e tentam extrair compostos que sejam bioativos. Para isso, primeiro recorrem a uma máquina que faz extração de alta pressão e, depois, reduzem a solução obtida. Nesse extrato concentrado procuram então compostos que possam ter “atividade antioxidante, antibacteriana ou até se facilitar a cicatrização da pele”, exemplifica o investigador.
Todo o projeto, continua João Pinto da Costa, é desenvolvido numa perspetiva de economia circular: “pegamos num problema e procuramos uma solução biológica, neste caso, usamos o fungo para degradar o plástico. Depois pegamos na biomassa para tentar gerar um produto que tenha valor”.
O BioPlasMar, que para além de João Pinto da Costa conta com a participação dos investigadores da UA Teresa Rocha Santos, Ana Maria Paço, Ana Luísa Silva, Armando Duarte, Artur Alves e Isabel Lopes, assim como de elementos da CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário, arrancou em 2022 e deverá ficar concluído até junho deste ano.
Dele resultaram já diversas publicações de artigos em revistas científicas da especialidade, como a “Science of the Total Environment”, onde se demonstra que a degradação de microplásticos por fungos funciona. Aliás, os investigadores começaram por analisar o Zalerion maritimum e avançaram depois para um outro fungo, o Penicillium brevicompactum, demonstrando que este tem a capacidade de degradar microplásticos em 14 dias. Nesta fase final, a equipa do CESAM centra os esforços na procura de compostos bioativos.
Do laboratório para o mercado
O trabalho está a ser feito a uma escala laboratorial, mas a intenção é que os fungos possam ser aplicados em diversos ambientes reais. Considerando que as Estações de Tratamento de Águas Residuais estão, muitas vezes, contaminadas com microplásticos, uma das ideias “seria adicionar mais um passo de purificação nas ETAR, que passaria por deixar o fungo a crescer nessas águas para eliminar os microplásticos presentes”, adianta o coordenador do projeto. Numa fase seguinte a água seria filtrada para retirar a biomassa e o líquido tratado seguiria o curso normal para ser reintroduzido no meio ambiente.
Para passar do laboratório para o mercado, no entanto, é necessário criar ‘escala’, até porque os investigadores perceberam ao longo dos testes que é preciso “fomentar de forma ativa o contacto entre a biomassa e os plásticos”. Em laboratório isso é relativamente fácil de fazer (através de agitação ou borbulhar), mas é preciso perceber como é que poderia ser replicado num cenário industrial. Para dar este passo, porém, seria necessário novo financiamento, que ainda não conseguiram.