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A realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Portugal volta a colocar o Papa como estrela principal de uma Igreja Católica a necessitar de transformação. Os jovens, que são a base e o motivo do evento, vão ficar no retrato como um corpo coletivo, um rebanho com um pastor que concentra quase toda a atenção. Desde que chegou ao lugar máximo do Vaticano, Francisco conseguiu aproximar a instituição católica da sociedade civil, mesmo a mais ateia, ao colocar no discurso a economia, a desigualdade, a sustentabilidade, os refugiados. Muitos dos que não alinham com a orquestra de fé dirigida em Roma passaram a respeitá-lo, a ouvi-lo e a até a vê-lo como um elemento transformador.
A jornada de Lisboa mostra como os atores da política portuguesa leram de forma diferente a via aberta pelo argentino. A nível dos partidos do poder, como se vê pelo apoio total à organização, há uma sintonia. Não seria previsível num país como Portugal, com séculos de ligação e submissão ao clero católico, ver o arco da governação não se juntar a um líder popular. António Costa e Luís Montenegro, assim como Carlos Moedas, são declarados admiradores do discurso de Francisco.
À Esquerda, há reservas sobre esta aposta nacional. Mas Paulo Raimundo até visitou a sede da JMJ e esteve ontem com o Papa. Mariana Mortágua não o fez, tal como Rui Tavares, do Livre, mas as suas críticas passaram ao lado de Francisco e tiveram como alvo o Governo e a Câmara de Lisboa. Apesar da excecionalidade católica não agradar, os gastos avultados e a preparação deficiente resumem as palavras de ordem.
É mais à Direita que o cenário parece invulgar. Para a Iniciativa Liberal, o que mais conta é a despesa. Rui Rocha aponta o dedo ao custo “faraónico”, aos ajustes diretos, e da mensagem do Papa, ontem, aplaudiu o pedido para se investir na juventude.
Mas é com André Ventura, o crente e sempre muito católico presidente do Chega, que se deteta uma maior distância para o discurso do Santo Padre. Não esperou pelo Papa. Por estes dias, Ventura anda pela Madeira em campanha, é certo que elogiou a crítica de Francisco à eutanásia, mas quando ontem colocou nas redes sociais um “Bem-vindo, Sua Santidade, o Papa Francisco”, os comentários dos seus seguidores foram sobretudo de escárnio. Nessa alinha, o seu chefe de gabinete até escreveu que o discurso de Francisco em Lisboa podia ter sido proferido por Joe Biden ou George Soros. É a Direita mais conservadora, mais herdeira do Portugal estado-novista que surge mais desalinhada. O que parece ser prova de como Francisco abriu uma luz e uma nova voz na Igreja Católica. Apesar de ainda haver escuridão e silêncios que incomodam.