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O processo Influencer, como o designou o Ministério Público, parece encerrar todos os ingredientes para um argumento cinematográfico. Se me perguntassem qual o realizador que melhor o trabalharia, eu não hesitava em escolher Fernando Meireles, não pela “Cidade de Deus”, mas a pensar no “Fiel jardineiro”. Neste filme, é retratado, de forma sublime, o lado mais negro do capitalismo. Pelas mesmas águas corre o processo que estamos a viver. O aparelho do Estado, refém de interesses privados, tudo faz para dar resposta às suas necessidades nem que para isso se sujeite a levar a Conselho de Ministros propostas elaboradas em gabinetes de advogados; ou diplomas só apresentados depois da luz verde das empresas com interesses diretos. Como se os governantes, eleitos democraticamente, fossem simples fantoches ao serviço de interesses externos. Tais procedimentos é que, sem dúvida, verdadeiramente incomodam e desacreditam a democracia.
Como se não bastasse tudo isso, da parte de quem tem por missão representar o Estado e defender a legalidade democrática - o Ministério Público - assistimos a uma ligeireza assustadora. Se na transcrição das escutas que envolvem o primeiro-ministro, e provocaram a sua demissão e a queda de um Governo com maioria absoluta, se troca o nome de António Costa e Silva por António Costa, ou houve intenção, e isso é de uma gravidade “sem nome”, como disse Isabel Moreira, ou foi um lapso e sendo lapso é igualmente grave, pois descuidos deste tipo não podem ocorrer num processo desta envergadura.
Ficamos à espera das explicações da senhora procuradora-geral. Lucília Gago ainda não se deu ao trabalho de esclarecer o que está em causa nas suspeitas a António Costa, e devia fazê-lo por respeito pelo Estado para que foi nomeada para defender. Por maioria de razão, quando os seus serviços trocam o nome na única escuta em que Lacerda Machado faz referência direta ao primeiro-ministro. Afinal, omitiram ou esqueceram-se de escrever e Silva? Fica a suspeita não só em relação aos que nos governam, mas também àqueles que os fiscalizam.