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O mundo não está bem, dilacerado por incontáveis conflitos e ameaças globais.
Na Europa, os alarmes são cada vez mais intensos, com a recessão económica da Alemanha a juntar-se à agudização da guerra na Ucrânia. Na União Europeia, continuam em aberto questões fundamentais para os 27, como a digitalização da economia e a competitividade empresarial no espaço comunitário, a abertura a Leste e a resposta europeia face aos desequilíbrios populacionais e às migrações.
E Portugal? Quase 50 anos depois do 25 de Abril, ainda somos – apesar da integração europeia e de todos os avanços registados – um país atreito a injustiças e entorses institucionais que encobrem subdesenvolvimento, corrupção e uma cidadania atávica.
Acomodamo-nos. Preferimos delegar a agir. Pagamos, até, só para evitar ter de nos confrontar com a (dura) realidade portuguesa da segunda década do sec. XXI.
Tornamo-nos num país “uberdependente” em quase tudo. Num povo reativo, sem iniciativa, quase sempre amorfo quando é chamado a expressar os seus direitos e valores cívicos.
Priorizamos o “delivery” e ficamos embevecidos com o “made by” e o “made in” – mesmo quando em jogo está o nosso sustento, o amanhã da nossa família e a comunidade em que nos inserimos. (O que diria disto o Infante, p.e.? Ou Salgueiro Maia, para não recuar tanto?). Entre o “dernier cri” de qualquer bugiganga feita na estranja e um produto equivalente fabricado em Portugal, a maioria dos portugueses ainda vai pelo que vem de fora. Ainda somos assim…
Mudaremos pela cultura do exemplo. Quando voltarmos a ter elites que sejam emanação do povo e resultantes do mérito pessoal, do estudo e do trabalho. E, sobretudo, quando tivermos lideranças capazes de mobilizar os portugueses e as energias das empresas e dos centros de conhecimento em torno de uma estratégia sustentável de desenvolvimento social e económico que assegure estabilidade, confiança e verdadeiro progresso a Portugal.
Até lá, continuamos a ter de nos agarrar aos portugueses que nunca desistiram de Portugal. É nesses que, nestes tempos de incertezas e ameaças, devemos confiar. Mesmo que, aparentemente, ele ou ela não tenham capacidade para influenciar Putin, Xi Jinping, Biden e outros donos do mundo, incluindo os domadores da inflação: os presidentes do BCE e da Reserva Federal norte-americana.
Foi essa uma das grandes lições de vida que nos deixou o comendador Rui Nabeiro (1931- 2023). Pelo trabalho, visão e capacidade empreendedora, teve oportunidade de ter e de ser o que muito poucos portugueses podem almejar. Preferiu ser empresário, chefe de família e campomaiorense a tempo inteiro. Quando a sua terra o chamou para gerir o que é de todos, da comunidade a que pertence, acedeu e foi presidente da Câmara Municipal. E voltou às suas empresas.
Deixou marca indelével em tudo o que fez, qual midas alentejano, e foi um luminoso farol da cidadania empresarial em Portugal. Personificou de forma exemplar o “homem de sensibilidade justa e recta razão”, que Fernando Pessoa, no “Livro do Desassossego”, descreveu como sendo essencial àquele que contribui para um mundo mais justo e melhor. Porque, justificava o notável escritor português, “reformar é não ter emenda possível”.
Hoje, 25 de agosto de 2023, completa 75 anos de vida aquele que é, para mim, outra grande referência da cidadania empresarial e da responsabilidade social no nosso país. Chama-se Carlos Vieira de Castro e é meu conterrâneo. Por isso, e porque o conheço desde miúdo, o tenho como referência de valores.
Mas, não é por isso que me atrevo a (tentar) abrir o baú da nossa cidadania empresarial e o venho apontar ao país como reserva moral e cívica. É mesmo pelas suas raras virtudes pessoais e perfil humanista; pela folha de serviços que, se quiser, pode exibir em qualquer lado, como criador de riqueza e de postos de trabalho, como dirigente associativo, como mecenas, como bombeiro voluntário não fardado e, sobretudo, como empresário sensível à realidade social da comunidade em que vive.
Num território que, durante muitos anos, foi “Terra de Amigos” e tem na distribuição do Pão de Santo António uma das suas mais arreigadas e inclusivas tradições, não pude deixar passar o dia sem felicitar calorosamente este Cidadão Honorário do Município de Vila Nova de Famalicão.
Saúde e muitos anos de vida!, Carlos.