Não é o facto de um grupo de toureiros anões dar um espetáculo numa localidade portuguesa que me surpreende. O que deveras me espanta é haver gente capaz de rir perante a perseguição dos touros aos anões. Grotesco espetáculo, digo, sem precisar de o ver para o qualificar deste modo. Ocorreu ontem, na Benedita, discreta vila do concelho de Alcobaça.
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Há mais três terrinhas com o espetáculo na agenda e muita gente, presumo, ansiosa por esse momento de gáudio. Sim, ainda há quem confunda humor com apoucamento do outro. E bem podem os organizadores dizer que os membros do grupo espanhol Diversiones en el Ruedo atuam de livre vontade, tal argumento não minimiza o retrocesso civilizacional que uma comédia assim representa.
"Um atentado à dignidade humana", considera o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, após ter conhecimento do evento, que ocorreu ontem à tarde, sem que ninguém o pudesse impedir. Este espetáculo lembra outros, igualmente degradantes, que animaram muitos bares e discotecas, nas décadas de oitenta e noventa, em Portugal, no resto da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália, onde a gracinha foi inventada: era o "lançamento do anão". Pessoas ditas normais arremessavam a pobre criatura, vencia quem o lançasse mais longe. A brincadeira indigna, atentado à dignidade humana, foi proibida.
No caso concreto desta tourada, não é o espetáculo tauromáquico que está em causa, concorde-se ou não com ele. É a dignidade dos intervenientes, o que isso representa em termos de luta pela igualdade. O argumento de que o espetáculo permite aos anões um meio de subsistência não pode ser tolerado numa sociedade civilizada. O destino destas pessoas não pode confinar-se ao eterno papel de bobos, a espevitar a fácil gargalhada nos senhores - esse foi o tempo das trevas, dos servos, que não queremos reabilitar.
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