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Para todos os que, mais ou menos indignados, mais ou menos prejudicados, com mais ou menos razões, estiverem a pensar processar o Estado, e alimentem a legítima expectativa de vir a sacar-lhe umas massas, tenho uma coisa a comunicar: tirem o cavalinho da chuva. O "monstro", como em tempos lhe chamou Cavaco Silva, não tem um cêntimo em seu nome. Não é força de expressão. Não tem mesmo.
É absurdo, eu sei. Mas agora que já nos rimos, olhemos o lado sério do problema. Foi preciso um empresário detido ilegalmente durante 51 dias fazer valer a sua sede de justiça, e exigir uma indemnização de 97 mil euros, para concluirmos que a austeridade bateu mais fundo do que se julgava, atingindo o coração da honorabilidade pública.
E o que descobriu o advogado desse empresário? Uma coisa tão ridícula, mas tão ridícula, que só podia ser verdadeira: em seu nome, o Estado português, número de contribuinte próprio, só possui duas contas bancárias a zero (uma na Caixa Geral de Depósitos e outra no Novo Banco) e um imóvel, o Tribunal da Boa Hora. Os restantes ativos foram disseminados por múltiplos bancos e instituições, os imóveis que sobraram entregues a empresas subsidiárias do Estado. Ou seja, as joias são nossas mas não podemos usá-las nas festas. O Estado, pessoa de bem, age como o pelintra esquivo que põe a fortuna em nome de um primo da América para o Fisco não lhe apanhar o rasto.
Obviamente que o Estado não está falido (os cofres estão cheios, certo?), mas, à estrita luz da lei, qualquer cidadão que se sinta lesado, como foi o caso, por uma decisão judicial, não pode recorrer a outro mecanismo de compensação. E isso é que é grave e estupidamente perverso: o Estado que, Governo após Governo, consegue passar praticamente incólume por entre os pingos da chuva de cortes, malgrado a sua obesidade mórbida, é o mesmo Estado que, no momento de assumir as responsabilidades para com quem o alimenta, foge com o rabo à seringa.
Mas sejamos otimistas. Tendo em conta que o empresário em causa, Bernardo Macambira, tem experiência no negócio das discotecas, podemos acalentar a esperança de ver o Tribunal da Boa Hora a dar lucro, com bolas de espelhos nos tetos e projetores de luz no exterior. E como o edifício, entretanto penhorado, se destina à formação de juízes, até nem era mal pensado. A alegria no trabalho nunca fez mal a ninguém e a música, todos o sabemos, opera milagres pelos índices de produtividade. "Boa Hora Night Club". Consumo mínimo de 10 euros. Paga-se a indemnização num instantinho.