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Passamos o verão a ouvir falar, melhor "gritar", sobre o caos da nossa ferrovia, tendo razão Rui Rio quando se se interrogava como é que empresas que nas últimas décadas tinham sobretudo "desinvestido" em infraestruturas, fechando linhas, e em material circulante não comprando e mal reparando o que por aqui temos, podiam estar tão atoladas em dívidas.
O final do verão e a promessa de compra de umas tantas carruagens acalmaram os ânimos parlamentares.
No entanto, o assunto é muito sério e seria bom se a nossa resposta coletiva fosse um verdadeiro exercício de cidadania que passasse por um melhor conhecimento desta extraordinária realidade patrimonial e técnica que é o nosso caminho de ferro.
À tração deste esforço conheceríamos melhor o nosso território, perceberíamos com mais clareza os erros que se foram cometendo e a imensa falta de escrutínio a que estão sujeitas as nossas grandes empresas públicas.
Uma edição recente de dois volumes (dos três previstos) da TrainSpotter (revista promovida pela APAC e Portugal Ferroviário) sobre a Linha do Douro cala fundo sobre a algaraviada da discussão partidária.
Em finais do século XIX o país concebeu, projetou, decidiu e financiou um dos mais deslumbrantes itinerários ferroviários do Mundo. A obra de ligação do Porto à fronteira de Espanha seguiu a linha do rio, por ser a forma mais inteligente de vencer a geografia tendo, no entanto, de construir 36 pontes e 24 túneis que perfazem respetivamente 5000 e 7500 metros de comprimento.
Mesmo alterando significativamente a ideia inicial, fazendo passar a Linha pelo Vale do Sousa e Tâmega e estendendo o término para além do Pinhão, percebendo o potencial de uma ligação internacional, a linha completou-se em 13 anos num período de grande convulsão política e social.
Ora há mais de 13 anos andamos nós a discutir só a sobrecarga da Linha do Norte!
Talvez um esforço de recuperação da nossa memória coletiva nos devolva a exigência e a capacidade de escrutínio que deve sustentar, sem exceção, a nossa validação de cada política pública.
* ANALISTA FINANCEIRA