Corpo do artigo
Ground Zero é o local de explosão de uma bomba atómica e é nome dado ao memorial erigido às vítimas do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. No lugar das TwinTowers abre-se, agora, um buraco na terra por onde escoa água, num fluxo perpétuo de melancolia e silêncio onde a ausência reina.
Há 17 anos, Manhattan, coração financeiro do maior império económico e militar mundial, ruía num cenário apocalíptico. O pó de lama que invadiu os corpos e as ruas colou-se aos écrans da TV, ao estômago e à pele de quem via, estupefacto, as imagens devastadoras do horror. No absurdo incompreensível, a vulnerabilidade tocou o nosso íntimo, abalando certezas. Não era só Manhattan que era ferida, mas toda a civilização ocidental num confronto brutal com a barbárie. Como era possível? Porquê?
A história é sempre parcelar. A crueldade e o horror têm inúmeras faces e dificilmente gostamos de ver a nossa no espelho da história. Nada, absolutamente nada desculpa ou legitima a barbárie, mas importa termos consciência da ação desestabilizadora da política norte-americana, com a conivência tácita de países europeus, em estados árabes ou de matriz islâmica, em várias partes do globo: a partilha e divisão abusiva de territórios e povos, o sofrimento e humilhação infligidos de modo leviano, a euforia com primaveras árabes e imposição de líderes "democráticos" que incendiaram fações, armando milícias, que são o berço de todas as ISIS. Do retorno destas políticas não fica só o medo do terrorismo que assombra a vida das nossas cidades. O fulcro da crise política que vivemos emana das questões suscitadas pelas vagas de refugiados procedentes do mundo islâmico que cruzam o mar à procura da Europa sonhada. Vêm do Iraque, Síria, Líbano, Norte de África, onde a nossa pegada política ou militar é ainda fresca.
O século XXI iniciou com o 11 de setembro. A pior lição que podemos dele tirar é o delírio psicótico de uma visão maniqueísta radicada no conflito de civilizações Ocidente/Islão. Longe da arrogância etnocêntrica, que tudo toma pelo mesmo, está o caminho para um outro olhar.
* PROFESSORA COORDENADORA DO P. PORTO