Corpo do artigo
Quando vi uma mulher de 93 anos, de uma localidade derretida pelo fogo em Ourém, a contar que tinha sido levada descalça de casa - fazia uma sesta na hora do fogo - dei por mim a perguntar por que razão a vida castiga tanto pessoas que carregam uma história. Depois, soube que essa mulher perdeu casa, uma cabrita, um galo e duas galinhas, "roupa boa", um televisor, um frigorífico. Ou seja, perdeu tudo. O olhar dela deu-me arrepios. Pareceu-me que, embora viva, estava morta por dentro. Ficar sem nada é terrível em qualquer idade. Não imagino o que será aos 93 anos. Agora, que acabo estas linhas, ouço falar na morte de um piloto, 30 anos, que ajudava num incêndio em Torre de Moncorvo. O seu caixão foi o pequeno anfíbio que pilotava e que se despenhou, não o fogo. Mas o fogo foi o que o levou à morte. Trágica. E pensava eu que o negro das terras seria o único luto que faríamos este ano.
*Jornalista