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Num passado remoto, galegos e portugueses estavam irmanados numa cultura comum. Eram, no fundo, um só povo e um só território. O galego e o português foram praticamente a mesma língua até finais do século XV. Ainda hoje, pouco os distingue.
Há menos de um século, as elites nortenhas e galegas correspondiam-se e colaboravam. Essa colaboração teve o seu ponto alto na interação da Renascença Portuguesa - surgida no Porto, em 1912 - com a Geração Nós - surgida em Ourense, em 1920.
Com tal passado, era de supor uma fraternidade de facto, ao menos na dimensão cultural.
Fialho de Almeida, nos seus "Cadernos de viagem" (1905), escrevia que "o Minho vai até ao Cantábrico e a Galiza espraia-se até ao Porto". Mas o Porto continua alheado da vida política, social e cultural da Galiza, não obstante ser visto pelos nossos vizinhos como o epicentro de uma região europeia com seis milhões de habitantes. Fala-se dos turistas americanos, franceses, ingleses... mas ninguém fala dos galegos que há séculos nos visitam continuadamente.
Para a maioria dos portuenses, a Galiza é pouco mais que uma praça onde subsiste a estátua vetusta de Rosalia. Quantos sabem, por exemplo, que existe um deslumbrante "mini-Douro" no vale do rio Sil, perto de Ourense, com vinhas equilibradas em socalcos vertiginosos?
A verdade é que temos mais a aprender com os galegos do que eles connosco. O estatuto autonómico, conquistado por plebiscito, deu à Galiza asas para voar. As protorregiões portuguesas continuam implumes. A defunta regionalização não deu sequer um belo cadáver. Recentemente, a Galiza saiu do grupo das regiões mais pobres da Europa - o Norte lá permanece, como um repetente incurável.
A CCDR-N clama no deserto. A Eurorregião quase só existe no plano tecnocrático. Não temos, como outrora, uma classe política regional que bata o pé ao centralismo. Não é de admirar, por isso, o transbordo rodoviário imposto pela CP, este verão, aos passageiros do "Celta", o único comboio que liga Porto e Vigo.
Sugiro ao futuro executivo da Câmara do Porto que se articule com a CCDR-N para conceber e programar um Ano da Galiza no Porto e no Norte. Há que trabalhar pela reunificação simbólica destas duas "nações" desunidas pela história.