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Não raro, existem boas ideias e boas intenções, que acabam por redundar em desastres ou fracassos, por motivos supervenientes ocorridos na sua implementação. A prática é um cemitério de boas intenções!
Dito de uma maneira talvez mais escorreita, há por vezes boas ideias que até são bem-intencionadas e bem pensadas, mas que depois na sua aplicação prática não resultam. Ou não resultam tão bem como foram imaginadas. Umas vezes estas desilusões acontecem porque a sua execução é tratada ou produzida por incompetentes, outras vezes, de facto quando chega a hora do terreno, todos se apercebem que afinal em teoria era uma coisa e na prática é outra. Nesta semana convoco para esta crónica dois exemplos exatamente de duas ideias bem-intencionadas, mas que na prática estão (ou podem vir a estar) condenadas ao fracasso.
Refiro-me, por um lado, ao movimento pela independência da Catalunha, que terá (ou não...) no próximo domingo a realização de um referendo sobre a independência da atual região autónoma e ao famigerado videoárbitro, VAR para os amigos, que semana após semana tem vindo a esbarrar em confusões, contradições e incompetências que estão a minar as boas intenções iniciais.
Começando pela questão objetivamente mais relevante, a questão catalã, devo confessar que sou um entusiasta das ideias de independência da Catalunha desde sempre, mas sobretudo depois de uma "sessão de esclarecimento" em que tive o privilégio de participar há alguns anos. Não devo enganar-me se disser que este encontro foi promovido pelo JN por ocasião da visita ao Porto do então presidente do Governo da Catalunha. Do que tenho a certeza é que participei num jantar excelente, no DOP, e que perante uma plateia restrita fiquei a saber quase tudo o que precisava sobre as razões históricas que fundamentam este desejo de independência, mas especialmente sobre as razões conjunturais que opõem os animadores desta independência ao Governo de Madrid. Lembro-me que nessa altura, quando a crispação ainda era insignificante, o ponto principal da discórdia estava na diminuição de 0,5% da contribuição que a Catalunha pagava ao Estado espanhol.
Quem acompanha o assunto sabe os passos que foram dados nos últimos anos e devo dizer que até hoje é à insensibilidade e intransigência dos governantes de Madrid que eu assaco as principais culpas na deterioração desta situação. Mas apesar de continuar incólume a minha simpatia pela independência da Catalunha, tenho que reconhecer que nos últimos meses a precipitação sobretudo impulsionada pelas forças da Esquerda radical têm tornado mais difícil uma adesão mais abrangente. A sensação que existe hoje, apesar da gigantesca manifestação da Diada, é a de que os catalães estão divididos a meio e nenhum povo que esteja dividido a meio pode almejar uma independência sem correr um enorme risco de mudar de ideias no dia a seguir. Aqui está um caso típico de uma ideia que eu acho boa, de cujas boas intenções também não duvido, mas que não tem sabido encontrar a melhor forma de se afirmar.
No caso do VAR, já não consigo visionar a boa ideia, mas admito sem qualquer problema que as intenções que presidiram à sua aprovação eram todas boas. Aquilo a que temos assistido desde a primeira jornada é também o exemplo de que a precipitação nunca é boa conselheira. Hoje já são muitos aqueles que acham que o projeto pedia mais tempo de incubação e teste antes de ser lançado às feras semana após semana. Mesmo achando eu que a ideia não era boa, como a intenção era, acredito que com mais calma e mais rodagem talvez tivesse sido possível afinar e corrigir alguns aspetos, que já todos perceberam que estão prestes a enterrar esta luminosa criação.
A meu ver faltou desde logo a consciência de que o VAR, sendo uma ação humana, continuaria a errar e por isso competiria a quem o criou tentar restringir ao máximo possível o âmbito da sua intervenção para que fossem também menos as hipóteses de erro. A ideia de que o VAR deve fiscalizar toda a jogada que termina em golo, desde que a equipa entrou em posse atacante, é um dos exemplos mais flagrantes do descalabro a que o VAR está condenado.
* EMPRESÁRIO