São dezenas de dias de confinamento, de impossibilidade de socializar, tempos de fuga do outro. Confesso um pecado: tenho feito as minhas caminhadas, solitárias, no limite na companhia daqueles que integram o meu agregado familiar mais restrito.
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Nesses passeios pelos caminhos rurais do concelho onde vivo, onde de resto sempre vivi, damos de caras, a cada passo, com a incúria e o desleixo. Admissível se os responsáveis por esse abandono fossem incapazes financeiramente de assegurar a manutenção dos imóveis.
Em antigas quintas, agora geridas pelo Estado, onde funcionam departamentos do Ministério da Agricultura, deparamos com os seus altos muros de pedra, em muitos troços a ameaçar ruína, noutros com grandes buracos por onde se pode aceder ao terreno e, talvez o mais triste, em alguns locais esses muros foram reerguidos. Seria uma boa notícia, se essas reconstruções fossem executadas com respeito pela paisagem e pelo saber ancestral de homens anónimos, quase todos analfabetos, que juntaram pedra sobre pedra e ergueram verdadeiras obras de arte: além de marcarem os limites da propriedade, tinham também por finalidade proteger culturas. Em património do Estado, essa reconstrução quando é feita visa apenas tapar um buraco e não preservar seja o que for, muito menos a harmonia da paisagem.
São os mesmos proprietários que, a poucos metros, deixam uma antiga casa de lavoura - e um conjunto de edifícios anexos, com largas dezenas de peças que contam a história agrícola da região de Entre Douro e Minho - ao abandono. Esse espaço museológico, que mereceu uma distinção pela Comissão do Prémio do Museu Europeu do Ano, ao longo de quase duas décadas foi visitado, anualmente, por cerca de seis mil pessoas. Até a incúria tomar posse.
*Editora-executiva-adjunta