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O futuro da Unidade Local de Saúde do Médio Ave (ULSMA), que integra o Hospital de Vila Nova de Famalicão, Hospital de Santo Tirso e vários centros de saúde dos concelhos de Santo Tirso, Trofa e Vila Nova de Famalicão, está envolto em incertezas que merecem reflexão e debate público.
Em agosto de 2024, surgiram declarações do presidente do PSD de Santo Tirso defendendo a criação de uma parceria público-privada entre a Santa Casa da Misericórdia local e o Hospital de Santo Tirso, como solução para os problemas de funcionamento. Mais do que isso, foi defendida a construção, na próxima década, de um novo hospital central em Santo Tirso, com capacidade para servir cerca de 300 mil habitantes da região.
Ainda que não tenha sido dito de forma explícita, tal proposta implicaria necessariamente uma reconfiguração profunda da rede hospitalar do Médio Ave, levantando dúvidas quanto ao futuro do Hospital de Famalicão. Se uma nova unidade central surgir em Santo Tirso, com todas as valências, que impacto terá sobre os serviços, a maternidade e a urgência médico-cirúrgica de Famalicão?
Nos meses seguintes, o processo de devolução do Hospital de Santo Tirso à Santa Casa avançou, com informação oficial do Conselho de Administração da ULSMA e até anúncios públicos por parte da Misericórdia. Esse movimento acentuou as preocupações de muitos profissionais de saúde e cidadãos, que veem nesta reorganização um risco de enfraquecimento do hospital famalicense.
O risco não é teórico, até porque o Hospital de Famalicão é também propriedade da Santa Casa. Menos utentes significa menos financiamento, e isso pode justificar, a médio prazo, o encerramento de serviços fundamentais. A maternidade, por exemplo, poderá perder o rácio necessário para se manter em funcionamento, sendo encaminhadas as parturientes para Braga (que tem sido notícia por encerramento da sua urgência de obstetrícia) ou outros concelhos mais longínquos. O mesmo poderá suceder com a urgência médico-cirúrgica, que foi desenhada para uma população de 250 mil habitantes.
Aparentemente, pouco se discute em torno deste cenário. O silêncio atual pode explicar-se pelo contexto político - as autárquicas aproximam-se e medidas impopulares tendem a ser adiadas. Mas nos corredores da saúde local, os profissionais sabem que o processo está em marcha e que há uma vontade clara de reorganizar a rede hospitalar.
É por isso essencial que os decisores políticos assumam compromissos transparentes e públicos. A população de Famalicão, Santo Tirso e Trofa merece saber qual será a rede hospitalar do futuro e que serviços estarão garantidos no Hospital de Famalicão. O pior que se pode fazer é deixar que tudo aconteça sem debate público, para depois a comunidade se confrontar com factos consumados ou, pior, com o arrastar do desinvestimento e consequentemente com o acentuar dos problemas.
A saúde é uma área vital e deve ser discutida com clareza, responsabilidade e visão estratégica, que tenha em conta o envelhecimento da população e consequente evolução epidemiológica de patologias como o cancro, as doenças do cérebro, cardiovasculares e neurodegenerativas. A oferta de uma boa resposta em proximidade será cada vez mais relevante e a população do Médio Ave precisa de garantias sólidas de que não ficará com um hospital fragilizado, esvaziado de valências e incapaz de responder às crescentes necessidades de cerca de 250 mil cidadãos. O debate deve ser feito agora, antes que seja tarde demais.