Minha mãe dizia que os primeiros passos que dei foi entre os seus braços e os do meu tio Victor, em Vilagarcia de Arousa. Naturalmente, não tenho qualquer recordação dessa minha façanha. Mas o que agora importa, seguindo a tradição de assinalar nestes meus textos o 25 de Abril, é o contexto desses primeiros passos.
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Em 1964, a minha família estava na Galiza. E connosco estava a família do tio Victor. E tal devia-se ao facto de o meu tio estar exilado em Paris, não podendo entrar em Portugal por ser um resistente antifascista perseguido pela ditadura. As famílias dos dois irmãos juntavam-se, assim, nas férias, em território espanhol.
O tio Victor, conhecido por Victor de Sá, faria, em outubro, cem anos. Por isso, evoco aqui o seu percurso que mostra o que foi o fascismo, mas também a coragem de quem o afrontava com imensos sacrifícios pessoais. Com uma verdadeira paixão pelos livros (dizia que "uma biblioteca é um laboratório de reagentes onde se iluminam as inteligências"), com apenas 21 anos criou uma biblioteca móvel, com todos os seus livros, possibilitando o acesso aos mesmos a quem não tinha posses para os adquirir. Dinamizou os movimentos da oposição democrática em Braga, que foram dos mais ativos contra a ditadura. O regime tudo fez para o domar. Ao todo, foi preso oito vezes. Apesar de, após se ter licenciado, ter sido nomeado professor, foi proibido de exercer. A sua livraria, verdadeiro centro cultural, chegou a ser encerrada. O seu doutoramento, concluído em 1969, na Sorbonne, apenas foi reconhecido em Portugal em 1975. Não o conseguiram domar, sendo que, após o 25 de Abril, foi professor universitário e foi o primeiro deputado eleito pelo PCP em Braga - apesar dos diversos atentados que a sua livraria sofreu em Braga, da autoria do MDLP. Foi por pessoas como ele que Abril foi possível! Pela minha parte, resta-me agradecer o êxito dos primeiros passos e o exemplo para os seguintes e dizer que tenho um grande orgulho por ser seu sobrinho.
Engenheiro