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Quando mentalmente me preparava para assumir o papel de intrusa e tomar conta deste espaço do jornal, semanalmente ocupado pela professora Maria de Lurdes Rodrigues, enquanto editava as páginas da “Revista Evasões”, que surgirá nas bancas amanhã de manhã, deparei com a história emocionante de dois irmãos, interpretada com mestria por Dustin Hoffman e Tom Cruise, o muito premiado filme “Encontro de irmãos”. É verdade, não começou da melhor maneira: um deles aproxima-se do outro apenas por dinheiro. Mas, no final, acaba bem. E, como em todos os filmes que nos conseguem comover, a humanidade vence.
História bem diferente e, infelizmente, real é aquela que se conta a partir dos Países Baixos, a primeira notícia a cativar a minha atenção quando, pela manhã, abri o site do JN. É uma notícia a lembrar os tempos mais terríveis da nossa história recente. Nos Países Baixos, autistas são legalmente eutanasiados. De acordo com uma investigação citada pela agência de notícias Associated Press, os casos incluíam cinco pessoas com menos de 30 anos. Não, não foram outros a indicarem que eles estavam a mais no Mundo e decidiram exterminá-los. Se assim fosse, estaríamos perante um novo holocausto. Os próprios pediram para morrer. E esse desejo foi-lhes concedido.
Os Países Baixos aparecem como o primeiro Estado a permitir que os médicos eutanasiassem pacientes a seu pedido, cumprindo os requisitos estritos. Entre estes, ter uma doença incurável, causadora de sofrimento físico ou mental “insuportável”. Estas pessoas não tiveram a felicidade de Raymond do filme. Ele encontrou o seu irmão, Charlie, e juntos encontraram um sentido para a vida.
O que se passou nos Países Baixos está, e ainda bem, a suscitar a discussão. Questiona-se se a reboque da lei da eutanásia, cujo fim último é pôr termo ao sofrimento, quando não há outro caminho, não estarão a ser ultrapassados os limites do pretendido originalmente.
Esse risco existia. Em Portugal, aquando da longa discussão que conduziu à aprovação da morte medicamente assistida, ouvia algumas pessoas que não se opunham à lei - mas, temiam que a mesma fosse usada para lá do seu espírito legal.
O risco era real. Uma lei só por si não consegue estar imbuída de humanidade. Cabe a quem executa a legislação fazê-lo com esse espírito e não apenas com a frieza dos códigos. Na eutanásia, como em muitos aspetos da nossa vida, há cada vez menos humanidade. E isso é contrário à natureza do Homem.
*Editora-executiva adjunta