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Nos últimos tempos temos sido confrontados com uma discussão muito viva acerca dos preços dos terrenos para construção de habitações e do peso que eles têm no valor de transação das mesmas. É evidente que esse número representa o resultado de numerosas componentes que importa analisar, curando da optimização do conjunto e de cada parcela porque todas contam: mas tudo indica que a maior delas é a que respeita ao terreno, sendo também a menos elástica.
Ao longo dos últimos decénios tem havido progressos tangíveis em relação aos custos da construção, começando na racionalização dos próprios projectos, progressivamente mais simples de construir, continuando nos materiais de construção cada vez mais fáceis de colocar em obra e mais práticos em matéria de conservação. O que está em causa é sempre a combinação do primeiro investimento com as condições da exploração e de manutenção.
Os mais teimosos em matéria de abrandamento parecem ser os custos dos terrenos. Também aqui o que importa é a conjugação do que se investe na sua compra com o que se gasta, todos os dias, devido à localização, porque o local de habitação tem de ser compatibilizado com o lugar ou lugares do trabalho, da escola, das compras, da ocupação dos tempos de lazer e das outras actividades que preenchem a vida de cada um. Também se pagam as vistas, a proximidade do litoral ou do centro e numerosos outros factores que valorizam mais ou menos uma dada localização. Até a moda tem influência no preço.
A compra de uma habitação é, seguramente, o maior investimento que uma família faz durante a vida. Por isso merece tanta atenção. O arrendamento é uma outra modalidade do acesso à habitação, dependente de numerosos factores que variam ao longo do tempo. Há oitenta ou setenta anos, o hábito era arrendar casa, reservando-se a compra para quem tinha folga financeira expressiva ou para quem pretendia aplicar poupanças de forma segura. A moda da compra de habitação é, em Portugal, uma tradição recente, pelo menos com a extensão com que é hoje praticada. Trata-se de uma forma de poupança, mas apresenta também limitações das quais a rigidez da localização é, seguramente, a menos interessante. Para um casal em princípio de vida, ainda com poucas certezas em matéria de localização do emprego, o arrendamento é mais flexível. Isto para não falar no tamanho da casa; compra-se uma casa com três quartos ou só com um? Ainda não está estabilizada, nessa altura, a dimensão da família.
O mercado de habitação, em Portugal, é relativamente rígido. Especialmente quando comparado com o dos Estados-Unidos, onde se vende casa e recheio para comprar tudo de novo noutra cidade ou na contra-costa com a maior facilidade. As mudanças fazem-se praticamente só com a roupa dos próprios donos e com os livros, se os houver. Foi quando o arrendamento se tornou difícil, por escassez da oferta, que as jovens famílias passaram a preferir a compra de habitação. Mas àquela não foi alheia o congelamento das rendas que se justificou durante a Grande Guerra, mas que deveria ter sido suspenso logo a seguir. Não me posso alongar na referência a este tópico, mas convém deixar registado que qualquer forma de rigidez é nociva.
O problema com que nos confrontamos é o peso do preço dos terrenos no preço total de uma habitação. E é esse que importa fazer baixar, do modo habitual, aumentando a sua oferta.
Mas isso não deve ser feito de qualquer maneira. Em primeiro lugar porque há a componente de primeiro investimento e a componente da exploração. São as duas que importa minimizar. E na segunda há a privada – mas deve também pensar-se na pública.
Há cinquenta anos surgiu a formulação de uma “teoria dos limiares” que, sendo de difícil aplicação prática, é conceptualmente muito atraente: a expansão de uma
cidade deve fazer-se para os espaços em relação aos quais o limiar dos custos seja mais baixo. Assim, a inclusão de terrenos pertencentes a uma nova bacia hidrográfica acarreta, pelo menos, os custos de um sistema de esgotos com bombagem do efluente; e este tipo de considerações estende-se a outros sectores.
No caso que agora está em discussão – a alteração ao Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – deveria ser-se, simultaneamente, mais ambicioso em certos domínios e mais flexível noutros.
Dever-se-ia curar de tornar muito mais rápido o processo de revisão dos Planos Directores Municipais. Estes representam, na sua essência, a materialização, no papel, da ideia que têm para a evolução da sua terra os respectivos autarcas. Ora, essa concepção está presente todos os dias nos seus espíritos e evolui em permanência. Seria, por isso, conveniente que fosse comunicada a todos os Munícipes e aos agentes económicos interessados com grande actualidade e eficácia, para não atrasar decisões que, afinal, são tomadas para benefício dos habitantes. Quem atrasa por falta de iniciativa ou por negligência, a tomada das muitas decisões que estão em causa, está objectivamente a prejudicar os munícipes.
Dirão alguns que os atrasos acontecem porque há domínios que saem fora da esfera da responsabilidade local. Tais são os casos da definição da RAN (Reserva Agrícola Nacional) e da REN (Reserva Ecológica Nacional). Têm de ser definidas estruturas que actuem em permanência e que publiquem o “estado da arte” num determinado momento. Nem uma nem outra se compadecem do simples enunciado de princípios. Tem de haver limites traçados em mapas e regras claras aplicáveis aos diversos espaços definidos. Se a Administração Central não dispõe de meios para actuar, ensaie-se o exercício a nível regional ou sub-regional, no âmbito público ou por encomenda a prestadores de serviços privados. O que não é possível é ficar à espera.
O fito da nova legislação é reduzir o custo dos terrenos por via do aumento da oferta. Não se pretende estender indefinidamente a área dos terrenos urbanizáveis. Quando, há trinta anos, foi concluída a fase de elaboração dos primeiros PDM, estimava-se que havia capacidade para albergar trinta milhões de Portugueses, o triplo dos existentes. Eles devem ainda estar em larga parte disponíveis. O que está agora em causa é promover a oferta a preços acessíveis de terrenos que não induzam investimentos públicos ou privados pesados ou escusados, o que acaba por privilegiar espaços contíguos a outros já infra-estruturados ou bolsas sem usos alternativos inseridas em manchas já urbanizáveis.
Talvez uma legislação com limites temporais fosse capaz de responder à carência existente e não levantasse tantas suspeitas e tanta celeuma.
O problema de fundo é encontrar um processo de ordenamento do território que seja ágil, respondendo às necessidades, respeitando os valores que têm de ser preservados (RAN, REN e outros semelhantes) e facultando aos cidadãos as decisões de que eles precisam para viver em sociedade de forma civilizada.