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O Serviço Nacional de Saúde é um dos setores mais contestados da sociedade portuguesa, pelas mais diversas razões, muitas delas injustas. Mas neste serviço público há algo que merece unanimidade, pela positiva: as unidades de saúde familiar (USF), pelo bem-estar proporcionado ao paciente. É a minha médica de família a lembrar-me de ser altura de fazer este ou aquele exame, ou chamar à atenção para o facto de os meus filhos não aparecerem por lá há demasiado tempo. Nunca fiquei sem atendimento, raramente esperei para além da hora marcada.
Confio no profissionalismo da minha médica de família. Não exijo nada, não peço para me passar credenciais de exames pedidos por outro médico no privado, e, por princípio, aceito a sua decisão. Muitas vezes, quando ouço o coro de críticas em relação aos serviços de saúde, interrogo-me se vivemos em realidades diferentes.
Certos dias, enquanto estou sentada naquele premiado edifício, desenhado pelo arquiteto João Paulo Providência, surge a dúvida: chegará a altura em que alguém irá destruir o que de inovador e democrático foi feito? Esse dia, temo, poderá acontecer em breve. Como o JN ontem anunciou, o Governo vai repensar o sistema de incentivos aos profissionais das USF, com o propósito de melhorar o atendimento. E está a suscitar dúvidas. Mais que justas. Fazer depender a remuneração variável dos médicos - ou seja, o incentivo que caracteriza estas unidades de saúde - da prescrição de medicamentos, exames complementares ou encaminhamentos para serviços de urgência é perverso. No limite, o grande prejudicado será o doente.
Temos de confiar no profissionalismo e na ética do médico. Pensar na possibilidade de não ter sido prescrito determinado exame ou um medicamento mais caro, ainda que mais adequado, para a folha de ordenado no final do mês não sofrer uma oscilação negativa é, verdadeiramente, assustador.
*Editora-executiva-adjunta