Sobre crises, bactérias e donuts (Parte 2)
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O que é que podemos fazer? Como é que podemos produzir? Como é que podemos sobreviver?
A resposta que procuramos é como ter ma economia, no seio de uma sociedade, no seio de um planeta, capaz de perdurar no tempo (e possivelmente capaz de melhorar continuamente).
É difícil. Em economia e ecologia não há refeições grátis. Mas os modelos capazes de prosperar ao longo do tempo existem; a história da biosfera prova-o: ao longo do tempo (com exceção de alguns momentos de crise) as espécies, a eficiência e a biodiversidade aumentaram.
Definamos o que é a sustentabilidade: a sustentabilidade é a capacidade de um sistema resistir ao longo do tempo à medida que as condições se alteram, mudando conforme necessário para se adaptar. Isto aplica-se a todos os organismos biológicos, a todas as empresas, a todos os ecossistemas e a todos os sistemas sociais e económicos. A capacidade de durar tem de ter no seu cerne a capacidade de aprender sempre que algo de novo e inesperado acontece (esta característica foi designada por “antifragilidade” por Nassim Nicholas Taleb, um matemático libanês, economista e ensaísta, especialista em finanças e teoria das probabilidades).
Para definir sustentabilidade, tomamos a medida da insustentabilidade, ou seja, o impacto (negativo) do homem no planeta. O modelo IPAT (Impacto= População x Afluência x Tecnologia) é uma fórmula de avaliação do impacto socioeconómico, proposta em 1972 por Paul Ehrlich e John Holdren. O impacto é dado pela população multiplicada pela riqueza (em que a Afluência representa a riqueza como a capacidade de adquirir bens e serviços, e corresponde ao consumo per capita e à soma da produção e do desperdício) multiplicada pela Tecnologia de produção de
bens e serviços (T).
Esta fórmula foi o ponto de partida para todo o debate que tem vindo a ser travado desde a década de 1970. Por um lado, Barry Commoner (e o meu querido amigo Virginio Bettini, que foi o seu co-autor italiano) defendia que a tecnologia era a chave. Por outro lado, Paul Ehrlich e os neo-malthusianos defendiam que o factor de controlo deveria ser, em primeiro lugar, a população. O tempo deu razão a Paul Ehrlich e John Holdren.
O economista Herman Daly, nas décadas de 1980 e 1990, salientou que um estado estacionário era a solução que poderia produzir uma economia e uma sociedade duradouras sem danificar o planeta. Mas isto pode não ser suficiente. A objeção ao crescimento tem origem na ideia de Nicholas Georgescu-Roegen sobre a bioeconomia, sendo um dos pontos-chave do seu pensamento que a reciclagem completa da matéria não é possível e, por conseguinte, não só a energia mas também a matéria se degradam irreversivelmente. Das suas ideias e do pensamento de Murray Bookchin, filósofo e ecologista social, nasce a ideia de redução da qualidade dos produtos e do consumo, designada por decrescimento. Nos anos 2000, alguns pensadores, nomeadamente Serge Latouche, defenderam que o fator de controlo poderia então ser o fator A, ou seja, que o consumo deveria ser - por escolha dos próprios consumidores - reduzido. O que vimos com os factos é que o impacto global tem vindo sempre a aumentar, e agora atingimos os limites planetários.
Para não acabarmos como os nossos micróbios, que crescem para consumir recursos e depois morrem à fome, há uma solução que copia os ecossistemas: a produção regenerativa dentro dos limites. Se queremos criar sustentabilidade, temos, portanto, de ter um impacto positivo, no nosso sistema de vida, produção e consumo, capaz de ir além do equilíbrio dos impactos negativos. Temos de criar um novo modelo que tenha como efeito secundário (as chamadas externalidades ou custos e benefícios externos da economia) a criação de felicidade, de valor e a regeneração de recursos.
As florestas e os recifes de coral, para crescerem, aumentam o número de espécies que produzem e o número de espécies que degradam. Isto aumenta a eficiência e a eficácia dos processos através de um ciclo de regeneração.
John Tillman Lyle, um arquitecto paisagista, e os fundadores da permacultura Bill Mollison e David Holmgren lançaram as bases destes modelos socioeconómicos de produção e consumo: a construção de ecossistemas humanos regenerativos. Em 2002, o químico Michael Braungart e o arquitecto William McDonough (que trabalhou com Lyle) publicaram um livro intitulado “Cradle to Cradle, How to Reconcile Environmental Protection, Social Equity and Development”, um manifesto que apresenta soluções sobre como conceber, produzir e consumir de forma regenerativa.
Com o modelo de economia do donut (Doughnut Economics), a economista Kate Raworth encontra uma solução para a sustentabilidade da sociedade: é preciso estar entre os limites plantares (a borda externa do donut) e a justiça social (a borda interna do donut); no donut é possível viver de forma sustentável, justa e equitativa.
A solução é, portanto, desenvolver o conceito de limites e o conceito de regeneração, por um lado, e o conceito de equidade para a sociedade, por outro: o efeito é uma economia que consegue prosperar ao longo do tempo.
Para os curiosos, um spoiler: discutiremos estes modelos de gestão de projetos em episódios futuros.