Corpo do artigo
Os vouchers para cirurgia existem no SNS desde o início do século, tendo evoluído e oferecido melhorias no acesso à cirurgia. Um médico do SNS inscreve o doente para uma cirurgia específica. Sempre que o tempo máximo de resposta é ultrapassado, é emitido um voucher podendo o doente ser operado no setor público (remunerando as equipas do SNS) ou no setor privado. A maioria dos doentes opta pelo setor público, sendo que as cirurgias mais complexas são recusadas pelo setor privado.
Os tempos de espera para consulta hospitalar correspondem a pedidos de consulta por parte do médico de família. O pedido é genérico, solicitando-se avaliação por parte de uma especialidade hospitalar, que irá determinar o diagnóstico e a terapêutica a seguir. Estas primeiras consultas requerem múltiplos exames e a consultas subsequentes.
Ao contrário das cirurgias, em que existe um preço fechado para cada cirurgia, um voucher para primeira consulta tem problemas técnicos inultrapassáveis. O que se faria no caso de o doente necessitar de exames, consultas subsequentes, medicamentos, radioterapia ou cirurgias? O doente regressaria ao SNS?
Nem o Estado saberia ao certo o que pagar, nem o setor privado saberia o que aceitar. Nos seguros o risco é controlado, por exemplo, por pré-autorizações para a realização de exames, adiantamentos ou elevados copagamentos pelos doentes. E na ADSE? Aqui, o setor privado garante margem por ter um cheque em branco para mais consultas, exames, cirurgias, etc.
Muitos médicos do setor privado exercem funções no público e, ao criar vouchers, podemos estar a financiar a migração para o setor privado. Arriscamos enfraquecer ainda mais a capacidade de retenção de profissionais no SNS. Não seria mais sensato, por exemplo, pagar aos médicos no SNS que aceitem fazer mais consultas?
Por mais populista que seja a ideia de vouchers, talvez seja boa ideia perguntar porque é que, 20 anos após terem sido criados os cheques para cirurgia, a ideia nunca avançou para as consultas. A resposta é simples: a ideia de implementar vouchers para consultas é má e danosa para o SNS.