Situação é mais grave no município onde há 6800 utentes sem clínico, mas no distrito o número duplicou para 9713 no primeiro trimestre do ano.
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O número de utentes sem médico de família no distrito de Bragança duplicou no primeiro trimestre deste ano. Atualmente, são 9713 os cidadãos que estão a descoberto nos 14 centros de saúde, segundo os dados do Portal da Transparência. Seis médicos aposentaram-se em dezembro e ainda não foram substituídos.
Só no concelho de Bragança, onde o problema é mais grave, 6800 pessoas não têm clínico. "É cerca de 20% da população do concelho de Bragança que não tem médico de família", criticou o presidente da Câmara, Hernâni Dias, referindo ainda que a carência poderia ser colmatada com a contratação de, pelo menos, quatro novos profissionais.
Aposentações para agravar mais
Prevê-se que o problema no distrito se agrave entre este ano e o próximo. Segundo informação facultada pelo município de Bragança, há 22 especialistas em Medicina Geral e Familiar da Unidade Local de Saúde do Nordeste (ULS) que atingirão em 2022 a idade de reforma e, em 2023, serão mais oito.
O presidente da Câmara considera que se trata de "desinvestimento na área da saúde por parte do Governo, contrariando as promessas feitas, em 2016, pelo primeiro-ministro, António Costa, que garantiu que todos os portugueses teriam, em 2017, médico de família". O autarca pede uma atitude "proativa" por parte da ULS para "pressionar o Governo para abrir mais vagas", sob pena de o contexto local "ficar incontrolável".
Para o Bloco de Esquerda, a situação é "inaceitável" e já levou o caso à Assembleia da República.
Segundo informação facultada pela ULS, "nos casos excecionais sem médico de família atribuído ou na ausência deste por motivos justificáveis alheios à instituição, todos os utentes inscritos nos centros de Saúde do distrito de Bragança têm assistência clínica para receituário e situações de doença aguda assegurada pelas equipas médicas". A ULS explica que estão por preencher nove vagas colocadas a concurso pelo Ministério em fevereiro, estando ainda prevista a abertura de dois novos concursos para contratar mais profissionais.
Para alguns a solução está no privado
Em casa de Alex Rodrigues, de repente, ficaram todos sem médico de família. Ele, a mulher, os dois filhos e os pais. Seis pessoas. O clínico até nem era o mesmo, porque os pais tinham outro, mas ambos os médicos se aposentaram. O agregado ficou com menos cobertura médica. "Eu tenho um problema vascular e preciso de acompanhamento, mas há dois meses que estou sem médico, o que me tem atrasado na marcação de exames complementares e me obriga a ir às consultas abertas", explicou Alex Rodrigues, técnico no Brigantia Ecopark e presidente da Junta de Freguesia de Pinela, no concelho de Bragança.
"Na aldeia, pelo menos, oito utentes ficaram sem médico, porque era o mesmo e se reformou. Esta situação tem causado transtornos aos idosos. É mais difícil aviar receitas e fazer rastreios", conta o autarca.
A situação obriga os residentes na freguesia a deslocarem-se mais vezes a Bragança, para irem ao centro de saúde buscar as receitas. "O problema é que não basta prescrever medicamentos, seria necessário verificar se ainda são os adequados, através de análises e rastreios", lembra Alex Rodrigues.
Recurso à urgência
Para colmatar a perda do médico de família no início de dezembro, Nuno Pires, técnico de educação no Estabelecimento Prisional de Bragança, recorre ao privado, que curiosamente até é o mesmo profissional que o seguia no centro de saúde, mas que se reformou, continuando no entanto a exercer no privado. "Para já não me deram outra alternativa de médico. Estive com covid-19 no final do ano e fui seguido por uma enfermeira. Tenho ido ao privado quando preciso, porque tenho um sistema de saúde [ADSE] que tem facilidades. Agora se for necessário fazer uma cirurgia já será mais complicado, porque são os médicos de família que tratam dos processos", referiu.
Quando tentou saber quando seria resolvida a falta de médico, Nuno Pires foi informado no centro de saúde que "dentro em breve teria outro", mas não foi especificada qualquer data. "Se tiver uma emergência vou à Urgência", desabafa o docente.