<p>Ao fim de quase 30 anos de espera, os moradores do bairro piscatório de Esmoriz, em Ovar, estão prestes a ter asnovas casas que tantas vezes lhes prometeram. A obra deverá ter início ainda este ano e virá pôr fim a décadas de sobressaltos devido a avanços do mar.</p>
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O projecto de arquitectura está pronto e o das especialidades segue-lhe o rasto. Segundo o presidente da Câmara de Ovar, Manuel Oliveira, se tudo correr bem, a obra, que terá lugar num terreno a poente do parque de campismo, poderá avançar ainda antes do final do ano. No máximo no início do próximo. E deverá ficar concluída 365 dias depois.
Ao todo serão construídos 80 fogos, 40 dos quais servirão de tecto às famílias em situação mais urgente, as que vivem em maior risco, em alguns casos em condições quase subhumanas. É o caso de Cristina Rodrigues.
Aos 26 anos, Cristina Rodrigues, mãe solteira e desempregada, nunca viveu numa casa digna desse nome. O quarto onde dorme com os dois filhos, um bebé de seis meses e uma menina de sete anos, tem, por telhado, chapas onduladas. E uma das paredes, a que está voltada para o mar, é um resto dos famosos contentores da Toyota que deram à costa de Gaia, em 1988, quando um navio japonês ali encalhou com 5400 automóveis.
No resto da casa, o número 77 da Rua dos Pescadores, vivem mais sete adultos. Tudo começou há 31 anos, quando Deolinda Ferreira da Silva, agora com 57, para ali foi viver com o marido, Manuel Rodrigues. "Isto era um barraquito que para aqui havia. Ao longo do anos, à medida que os filhos foram nascendo, fomos aumentando a casa conforme podíamos, com restos daqui e dali", recorda Deolinda Silva.
2001 na memória
"Passamos muito. Um dia, vi o meu homem ameaçado de morte à minha frente. Estava um grande vento e uma das chapas enrolou-se à volta dele e só por um milagre não lhe cortou a cabeça", acrescenta. Esse dia pertence ao ano de 2001, altura em que o mar avançou de tal maneira que galgou dunas até chegar às casas.
Electricidade é coisa que ali não existe e é aterradora a visão, a de ver cotos de cera espalhados por toda a casa, junto de paredes de contraplacado e de restos de tábuas. É à luz da vela que a pequena Liliana, filha de Cristina, faz os deveres da escola.
Deolinda e os filhos, todos, estão há muito inscritos na Câmara para quando as casas novas estiverem prontas, mas, mesmo com a notícia de que agora é que é, nem assim, Deolinda acredita. "Eu já não saio daqui", diz, sem esperança.
Cristina, por seu lado, tem fé. "Havemos de ter casa nova e meus filhos hão-de ter uma vida diferente", afirma, convicta. A filha, Liliana, está mortinha pela mudança. "Vamos viver numa casa a sério", entusiasma-se.