Ralph, Caramelo, River, Jotinha, Lola, Margarida ou Sissi são alguns dos nomes com que a Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso batizou os 11 sobreviventes do incêndio nos abrigos da serra da Agrela que recebeu. Moram agora no abrigo da instituição, que, "como quase todos em Portugal", não tem licenciamento, ainda que os cães tenham todos os cuidados e condições necessárias.
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Na Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso (ASAAST), que também acolhe cães com necessidades especiais do canil municipal, o batismo de cada animal é um dos pontos de honra da instituição: todos têm nome. E uma história - tantas vezes de maus-tratos que não cicatrizam; sempre de abandono.
Fátima Meinl sabe-as de cor. Apresenta os novos hóspedes, um a um, e desfia-lhes as maleitas, que tenta atenuar: os que estão pior eram do abrigo "Cantinho das Quatro Patas", onde morreram 73, observa a presidente da ASAAST.
"vinham em muito mau estado"
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Com menos de um ano de vida, duas rafeiras pretas, unidas pelos laços de sangue e uma sorte madrasta, "vinham em muito mau estado, com muitas feridas. Têm sarna, e tinham muitos parasitas", descreve a voluntária, que nota "um crescimento deficiente para a idade". E há ainda a Margarida, com uma amputação não tratada de uma pata, River, um calmeirão de cor de mel e olhos azuis que fica petrificado diante de pessoas, e Caramelo, que recua a cada sinal de aproximação humana, embora já corra e brinque com outros cães.
Todos têm direito, tal como os cerca de 50 animais da associação, a usufruir do "recreio" da ASAAST, um espaço aberto e com uma pequena piscina improvisada onde os cães "correm todos os dias, pelo menos duas vezes por dia", garante Fátima Meinl, que assume ter havido uma "evolução" nas condições do abrigo.
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O espaço, que o JN conheceu há cerca de 10 anos, teve várias melhorias, entre as quais a construção de mais "boxes", todas com espaço interior e exterior.
CÂmara em silêncio
Para o licenciamento, que a ASAAST já tentou por "três vezes", só falta o saneamento, conta a responsável, que clarifica, porém, que "nesta área [Ermida, em Santa Cristina do Couto] não há saneamento público". Questionada, a Câmara não quis comentar.
Sediada na Maia, a associação CãoViver também nunca conseguiu legalizar o abrigo que em 2013 ergueu em Matosinhos, e acabaria por ser despejada três anos mais tarde.
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"Apesar de os animais serem bem tratados, não era possível licenciar o abrigo por estar em terrenos REN e RAN [reservas ecológica e agrícola]", explica a líder da instituição, Ana Ceriz, lembrando que, "por um abrigo ser ilegal, não quer dizer que os animais sejam maltratados. Não se deve generalizar".
"De repente, deixei de ouvir falar sobre os abrigos de Santo Tirso e comecei a ouvir falar em abrigos ilegais. Se percorrerem Portugal à procura de abrigos ilegais, vão encontrar quase todos assim", diz a fundadora da Cão- Viver, que, aludindo às invasões de abrigos promovidas após os casos da serra da Agrela, afirma que "querer entrar em todos os espaços só por especulação" configura "uma caça às bruxas", "porque nem todos são como aqueles". "Passamos de bestiais a bestas", lamenta.
Tentativas de invasão
Na semana passada, grupos de populares instigados por convocatórias nas redes sociais invadiram alguns abrigos de animais, na Maia e em Santa Maria da Feira.
Legalização
As associações de proteção animal defendem que o processo de legalização dos abrigos pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária deve ser revisto e adaptado à realidade. O primeiro-ministro, António Costa, reconheceu que "a Direção-Geral de Veterinária não está feita para cuidar de animais de estimação e não tem revelado capacidade ou competência de se ajustar à nova realidade legislativa".