De acordo com um estudo da Universidade do Minho, a transferência de todas as competências para a Câmara do Porto no âmbito da descentralização representa um défice de 12 milhões de euros por ano para a Autarquia, dos quais 6,9 são referentes à ação social.
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A Assembleia Municipal do Porto aprovou, esta segunda-feira, uma proposta de não-aceitação da transferência de competências em matéria de ação social. O envelope financeiro de cerca de 1,8 milhões de euros, atribuído pelo Governo à Câmara do Porto, deixará a Autarquia, de acordo com um estudo da Universidade do Minho, com um défice de 6,9 milhões de euros.
Se forem consideradas todas as receitas e despesas associadas ao processo de transferência de competências em curso, acrescenta o mesmo estudo, "estima-se um diferencial negativo de praticamente 12 milhões de euros por ano, tendo como referência 2021".
A deputada municipal do Bloco de Esquerda, Susana Constante Pereira, abriu a discussão sugerindo "um debate alargado sobre a transferência de competências", já que se tem "assistido à discordância de inúmeras autarquias".
A essa proposta, Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara do Porto, em substituição de Rui Moreira respondeu que "já houve tempo" para debates, lançando críticas àquele grupo parlamentar por considerar que, na Assembleia da República, teve "todo o tempo do mundo, nesta atual legislatura, para impedir que isto acontecesse" e não o fez.
"Um facto consumado que ninguém consegue alterar"
"O Município de Gaia, ainda há poucos dias, votou contra a descentralização desta área. Estamos perante uma situação para a qual os municípios, que vão ser aqueles que vão ser responsáveis por estas áreas, se demonstraram contra ao longo de anos, e parece que é quase uma imposição, um facto consumado que ninguém consegue alterar. Não consigo perceber como é que o país chegou a este ponto", criticou Filipe Araújo.
O Município terá de assumir, em março do próximo ano, áreas como contratos locais de desenvolvimento social, cartas sociais municipais, Rendimento Social de Inserção (RSI) e serviço de atendimento e acompanhamento social.
"Papel dos municípios é insubstituível"
Fernanda Rodrigues, da bancada do PS, que votou contra a proposta, admitiu que o envelope financeiro "merece ser reexaminado", mas afirmou que, "sendo um processo, há toda uma negociação a desenvolver" com as entidades. A deputada considera que "os recursos municipais têm um importante campo de aplicação", observando que "o papel dos municípios é insubstituível, não só pela sua intervenção de animador local, mas também por ser capaz de convocar recursos que possam e devam ser prioritariamente encaminhados para esta área, de extensa precariedade no país e na região".
A socialista recordou ainda que "várias entidades, designadamente, a Área Metropolitana do Porto já agendaram futuras negociações de adequação e melhoria" sobre a descentralização.
Bancadas unidas
Para Joana Rodrigues, da CDU, esta transferência "não é acompanhada dos meios humanos, dos recursos financeiros e do património adequado ao desempenho das funções". Além disso, "está longe também de visar uma melhor e mais eficaz resposta aos direitos, às aspirações e às necessidades das populações" e consiste "num processo de redução de investimento público".
"Uma vez que a Autarquia entende que não estão reunidas as condições para assumir estas competências", Cristina Costa Santos, do PAN, cuja bancada também votou a favor da não-aceitação, referiu ser "importante que a Câmara do Porto tenha um plano, estabelecendo as necessidades essenciais para a aceitação de transferência de competências, exigindo-as ao Governo".
Do PSD, Patrícia Teixeira, observando que a transferência de competências em matéria de ação social "é pertinente", afirma que o processo "carece de coerência, justamente financeira". "Estamos a falar de um universo complexo e com grandes necessidades. Temos um orçamento proposto pelo Governo que não atinge os dois milhões de euros, e que se verifica de todo desajustado", reforçou, alertando que seriam necessários "mais sete milhões para além do proposto para que esta transferência de competências fosse exequível".
"Absoluta farsa"
Para o deputado Raúl Almeida, do Movimento "Aqui Há Porto", "não será por acaso que hoje, nesta Assembleia, todas as bancadas, à exceção da bancada do PS, compreendem o que aqui está realmente em causa", caracterizando o processo de descentralização como "uma absoluta farsa". "É passar para terceiros aquilo que o Governo socialista não quer fazer", descreveu.
"É tão escandaloso querermos dizer que isto tem ares de uma qualquer reforma administrativa ou de uma grande iniciativa política, que de facto unimo-nos todos. Há mentiras com as quais não podemos compactuar", asseverou.