Região é Património Mundial e Cidade Europeia do Vinho em 2023, mas os viticultores dizem que o trabalho na vinha ainda não é compensado.
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O Douro começou 2023 a cantar janeiras e vestiu-se a rigor para uma gala cheia de pompa. Não vão faltar acontecimentos durante este ano, no âmbito da Cidade Europeia do Vinho. Mas quem o produz espera que esta organização da Comunidade Intermunicipal do Douro (CIM-Douro) contribua para que se venda mais e melhor.
Só gerando mais riqueza para quem cuida da vinha e produz uvas será aliciante para as novas gerações. Caso contrário, a região continuará a definhar. Entre 2001 e 2021, os 19 concelhos da CIM-Douro perderam 36 mil pessoas. Atualmente, já terão menos do que os cerca de 184 mil habitantes revelados pelos Censos 2021.
Olhando para as estatísticas relativas ao negócio do vinho produzido na Região Demarcada do Douro, o cenário em 2022 foi muito positivo. O mais proveitoso de sempre. O montante gerado pela comercialização quase chegou aos 625 milhões de euros (cerca de 96,6% relativo às denominações de origem Porto e Douro), mais 3% do que em 2021.
O constante crescimento do valor gerado ao longo da última década só foi interrompido em 2020, ano do confinamento geral devido à pandemia de covid-19, mas a tendência regressou em 2021, tendo-se ultrapassado a barreira dos 600 milhões, com o recorde a ser alcançado o ano passado, graças à recuperação do mercado nacional e às vendas das categorias especiais.
Não obstante os bons indicadores, entre os quase 19 mil viticultores da Região Demarcada do Douro cerca de 15 mil têm áreas de vinha com menos de dois hectares. É para a maior parte destes que produzir uvas continua a não compensar, salvo as que são vendidas para o vinho do Porto.
Em média, o comércio paga 1000 euros por pipa de 550 litros. As restantes uvas, que vão para vinhos com denominação de origem Douro ou para regionais, por exemplo, "são pagas entre 200 e 350 euros por pipa", refere Victor Herdeiro, presidente da Associação dos Viticultores e da Agricultura Familiar Douriense (Avadouriense).
Esses valores "não fazem qualquer sentido", acentua Herdeiro. E explica: "Uma quinta com menos de 10 hectares só será rentável no Douro quando a pipa para o Porto for paga a 1600 ou 1700 euros e quando se pagar entre 600 e 700 euros pela pipa dos vinhos chamados de consumo". Se não for assim, reforça, "com custos de produção elevados e com mão de obra escassa e caríssima, quando se fizerem as contas verificar-se-á que o lavrador não teve rendimento e que se viu à rasca para conseguir tirar um salário".
Ora, este é um dos principais problemas do Douro. João Rebelo, professor e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, considera que muitos dos pequenos agricultores só se mantêm em atividade porque "não atribuem um valor económico à mão de obra familiar ou graças a subsídios", caso contrário estariam a trabalhar em "explorações inviáveis".
O presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, Gilberto Igrejas, pormenoriza que quando os pequenos viticultores fazem o balanço de um ano, por exemplo, do que gastaram "em postes, arames, agroquímicos e levantamento de muros que caíram, não contabilizam a mão de obra familiar". Mas, na sua opinião, "esta tem de ser contabilizada". Só assim as explorações podem "vender as uvas ao preço que é justo", de modo a também "valorizarem a região". É que "sem estes pequenos agricultores, o Douro Património Mundial também não vai existir".
Daí que para João Rebelo, o principal desafio de uma região de montanha onde criar uvas tem os custos mais elevados do país, a solução passe por "valorizar mais o vinho e vendê-lo melhor", mas também por gerar mecanismos que levem à "redistribuição do valor criado pelos pequenos viticultores".
Em suma: "O preço médio da venda de vinho ainda é muito baixo para o que custa produzir cada quilo de uva". E de acordo com o investigador, "só se consegue transferir valor para os viticultores se o vinho for vendido a um preço médio de cinco euros por litro à saída da empresa produtora".
Ainda segundo João Rebelo, "o maior problema no Douro nem está nos viticultores pequenos, com até dois ou três hectares de vinha". Está, nota, "nos que têm entre cinco e dez hectares", porque "já não conseguem ter uma exploração familiar, nem, possivelmente, estão profissionalizados", daí enfrentarem "maiores dificuldades para sobreviver". Por exemplo, "têm de pagar mão de obra externa e não conseguem valorizar devidamente o produto para suportar esses custos".
Apoio às cooperativas visto com bons olhos no Douro
O setor cooperativo da Região Demarcada do Douro vê com bons olhos a criação, por parte do Ministério da Agricultura e da Alimentação, de um grupo de trabalho para avaliar e propor apoios à reestruturação, redimensionamento e competitividade das cooperativas agrícolas, no quadro do PEPAC [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum] 2023-2027.
O objetivo do ministério liderado por Maria do Céu Antunes é "aumentar a dimensão económica e social das cooperativas" e "melhorar a capacitação de dirigentes, gestores e associados e as práticas comerciais, a revalorização e a inovação da gama de produtos e promoção da internacionalização".
O grupo de trabalho anunciado pelo Ministério da Agricultura e da Alimentação chama-se "Cooperativas Agrícolas 20|30", e vai integrar, entre outros organismos, a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri) e tem até 30 de junho deste ano para apresentar à tutela um relatório e uma proposta de medida específica de apoio ao setor.
Segundo Maria do Céu Antunes, as cooperativas apresentam "importantes potencialidades e vantagens, especialmente num contexto de estruturas produtivas fragmentadas", como é o caso do português.
Já o presidente da Confagri, Idalino Leão, sublinhou que as cooperativas agrícolas precisam desta medida estratégica que "promova e potencie a capacitação institucional das organizações", bem como "que as prepare e que vá ao encontro dos novos desafios da agricultura".
José Manuel Santos, presidente da Adega Cooperativa de Lamego e presidente da Assembleia-Geral da FENADEGAS-Adegas Cooperativas de Portugal, entende que "em boa hora foi tomada esta medida" que "pode dar novo alento ao setor". E até lhe parece bem que o apoio possa abranger "a fusão entre adegas", porque "quanto maiores forem mais capacidade crítica e comercial terão".
Victor Herdeiro, presidente da Avadouriense, entende que "a medida é boa" e espera "um apoio substancial". Muitas cooperativas "não estão bem financeiramente" e têm de pôr a sua parte de comparticipação" nos projetos em que se envolverem, uma vez que "as ajudas nunca são a 100%".
Adegas devem ter atitude empresarial para sobreviver
Falta de liderança forte e profissional, investimentos mal calculados, erros de gestão e venda do vinho a preços baixos são alguns dos fatores que, nas últimas décadas, arrastaram algumas adegas cooperativas do Douro para a falência. Foi o caso da de Vila Nova de Foz Côa ou de Sanfins do Douro (Alijó) e outras poderiam ter seguido o mesmo caminho se não se tivessem encontrado soluções de parceria com empresas privadas com robustez no setor. Aconteceu em Lamego, Alijó, Santa Marta de Penaguião, Trevões (São João da Pesqueira) e Penajoia (Lamego).
Na outra margem, os exemplos de adegas que souberam enfrentar as dificuldades e que se organizaram de modo a posicionarem-se no mercado com uma atitude empresarial, sobretudo graças à profissionalização, casos de Favaios, no concelho de Alijó (ver reportagem), Freixo de Espada à Cinta e Vila Real, entre outras.
O presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, Gilberto Igrejas, adianta que o futuro passa "por uma maior profissionalização das adegas cooperativas". O objetivo é que consigam "valorizar os vinhos que produzem, para poderem pagar melhor as uvas que compram aos agricultores". Os associados são, sobretudo, os mais pequenos, aproximadamente 15 mil dos 19 mil viticultores do Douro e que têm menos de dois hectares de vinha.
Segundo Gilberto Igrejas, só se todos estiverem "imbuídos do mesmo espírito", poderão ser "valorizadas as denominações de origem protegida do Douro e Porto". "Sem esta valorização e profissionalização, dificilmente poderemos ter futuro para este tipo de organizações", sublinha.
O professor e investigador da UTAD, João Rebelo, dá o exemplo da Adega Cooperativa de Favaios que "conseguiu afirmar-se com uma marca que tem valor - o Favaito - e através da profissionalização". Outras, mesmo não estando mal "vendem a preços baixos" o que quer dizer que "no longo prazo terão alguma dificuldade em sustentar-se".
No caso da Adega de Lamego, por exemplo, foi salva no limite antes de ser executada pelos credores. O presidente, José Manuel Santos, conta que o caminho foi "encontrar um parceiro comercial, mantendo o espírito cooperativo até à vindima". Depois da colheita "toda a produção é transferida para a empresa comercial, em que a cooperativa também participa".
A vantagem é que "essa empresa paga imediatamente as uvas aos agricultores". No caso de Lamego "já foram pagas todas as uvas de 2022, a preços de mercado, na ordem dos 1000 euros a pipa para o vinho do Porto e nos outros à volta dos 400 euros a pipa". Outro benefício é o de "pagar atempadamente o serviço da dívida à banca, a fornecedores e a trabalhadores.
As Adegas Cooperativas representaram, em 2022, apenas 4,4% dos cerca de 625 milhões de euros gerados pelas vendas de vinhos da Região Demarcada do Douro, e 7,2% das 234 mil pipas (550 litros cada) produzidas, segundo dados do IVDP.
Sucesso feito de bom vinho e de profissionais
Adega de Favaios é das cooperativas do Douro que tem conseguido manter-se mais estável no mercado.
A Adega Cooperativa de Favaios já passou, como muitas outras, por altos e baixos. Mas nos últimos anos tem estado na linha da frente das mais sustentáveis e das que melhor pagam aos cooperantes. O presidente, Mário Monteiro, justifica: "Temos muito bom vinho para vender e uma gestão profissional".
Nem Mário Monteiro nem os colegas de direção eleitos pelos associados - não são remunerados e não têm formação na área - fazem a gestão do dia a dia da cooperativa. Apenas definem "o rumo, objetivos e prioridades". Cumprir a estratégia fica a cargo de "outras pessoas que se dedicam a 100%". E é "deixando trabalhar quem sabe", que permite à instituição, que tem quase 500 sócios e cerca de meia centena de trabalhadores, "estar numa posição muito confortável".
O antigo diretor, Serafim de Carvalho, foi quem teve a ideia de lançar o moscatel "Favaito" numa garrafa minúscula de quase 6 centilitros, que se tornou "um sucesso a nível nacional e internacional". Por ano, são vendidas mais de 30 milhões. A marca forte que o moscatel ajudou a construir puxa por toda a restante gama da adega, que vai dos DOC Douro ao vinho do Porto, passando pelos espumantes.
E "como uma empresa não pode parar", a Adega da Favaios prepara-se para aumentar a capacidade do centro de vinificação e de armazenamento, executando um projeto aprovado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Atualmente, uma vindima tranquila rende cerca de seis milhões de litros, mas o objetivo é que possa ir até aos nove milhões. A reconversão das vinhas pelos associados aumentou a produção de uvas e há necessidade de as receber.
Para que a qualidade se mantenha, os sócios são "incentivados a entregar boas uvas". As de 2022 foram pagas a "600 euros por pipa, ou seja, por cada 750 quilos", para os vinhos DOC Douro, entre 610 e 720 euros para o moscatel, aumentando o valor para "950 euros" no caso de serem uvas para vinho do Porto. Metade da campanha é paga a 15 e janeiro e a outra metade em meados de julho.
O volume de negócios da Adega Cooperativa de Favaios rondou os 18 milhões de euros em 2022, mas o objetivo é chegar, em breve, aos 20 milhões.