Tradição antiga cumpriu-se na Quinta do Crasto, em Sabrosa, com almoço e festa para patrões e empregados.
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Ainda só são 10 horas, mas José Esteves já prepara, sobre a caixa aberta de uma carrinha, o palco onde há de tocar e cantar para os colegas. "Ora bem, a coisa está a ficar boa", atira, ao microfone, após finalizar o ensaio ao som de uma das três concertinas que trouxe de casa, que fica na aldeia de Gouvinhas, em Sabrosa. O seu espetáculo "Casa Alegre" faz parte da festa de encerramento da vindima na Quinta do Crasto.
Com 23 anos de casa e a um de se reformar, José Esteves põe empenho no preparo da atuação, que será complementada por um leitor de CD de Toy e de outros artistas bons para animar o baile. As cozinheiras arranjam as carnes, o pão e tudo quanto há de compor o repasto pago pela quinta. Na adega lavam-se os cestos e fazem-se as limpezas de fim de colheita. "Estou estafado", confessa José Correia, não obstante "a vindima ser a parte mais bonita do ano".
Mas lá por se acabar a colheita não quer dizer que já não haja que fazer. O proprietário da quinta, Tomás Roquette, diz que há uma pausa de almoço maior para a festa e para a confraternização, todavia a azáfama continua. "Marcou-se o último dia de entrada de uvas na adega, mas ainda há pela frente entre oito e dez dias para acabar de fermentar as últimas cubas de vinho. Depois é preciso colocá-lo em barricas e há muito trabalho pela frente", salienta.
"Daqui em diante continuamos a rolar, é sempre a dar-lhe", sublinha o trabalhador Leonel Fontinha, enquanto a colega Bernardete Esteves não esconde que "umas feriazinhas sabiam bem", mesmo percebendo que a adega não pára. Durante a vindima, no Crasto trabalha-se 24 horas por dia. E toca a todos. Até a Adelaide Esteves e a Maria da Luz Gouveia, que são responsáveis pela horta da quinta. "Plantamos, sachamos, regamos, colhemos, fazemos tudo".
"Vinhos de grande qualidade"
Já a carne estava sobre a grelha quando a roga subiu à casa da família Roquette, onde turistas almoçavam na esplanada. Levantaram-se para assistir ao cerimonial, enquanto o fogo de artifício assustava os pássaros. Então, Adelaide puxou de um papelito e leu: "Estamos aqui hoje em festa, com felicidade e muita alegria, muito obrigada a todos, viva a Quinta do Crasto pela simpatia". Bateram-se palmas e Tomás agradeceu: "Foi uma vindima muito boa. Temos vinhos de grande qualidade. Não houve acidentes nem grandes percalços. Estamos cá todos e para nós é sempre o mais importante. Muito obrigado de coração". Mais palmas.
Ao som da concertina de José Esteves, a meia centena de trabalhadores presentes deu meia volta e desceu ao refeitório. Carne de porco assada na brasa, pão e vinho entre o principal da refeição comida sem olhar para as horas.
Assim se marcou o cair do pano sobre a vindima que demorou um mês a fazer. A quinta produz 1500 toneladas de uvas num ano normal, porém 2022 foi um ano atípico e, muito por culpa da seca, a produção foi afetada por uma quebra entre 15% e 20%. No entanto, a "qualidade dos vinhos" produzidos deixa o proprietário, Tomás Roquette, "muito contente", pois "no cômputo geral o balanço é bastante positivo". Em suma, a campanha "está em linha com o volume de vendas para 54 países".
O almoço terminou. José Esteves não esteve com tanto trabalho para nada e, perante o olhar atento de turistas curiosos, arrancou finalmente com o baile. Esmerou-se a tocar as músicas que aprendeu de ouvido. Sem falsas modéstias, ele é de "ouvir uma música três ou quatro vezes e de a agarrar logo".