Milhares de pessoas juntaram-se na Avenida dos Aliados, no Porto, seguindo em desfile por algumas artérias da cidade, reivindicando os seus direitos, melhores condições de trabalho e salários justos. Entre quem assistia e desfilava, todas as gerações reconhecem que há ainda muito a fazer.
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Celebrava-se, pela primeira vez, o 1.º de Maio em liberdade quando Manuel Leitão, 74 anos, ainda estava exilado. Fez parte do grupo de desertores da Guerra Colonial. Por isso, de 1962 até ao 25 de abril de 1974, o ex-militar viveu numa cidade no sul da Suécia, em Lund. "O sítio mais próximo onde podia obter um passaporte de regresso a Portugal, limitado a uma única viagem, era Copenhaga [Dinamarca]. Bastava atravessar de barco", conta ao JN, ao som de palavras de ordem entre quem descia a Avenida dos Aliados, no Porto, por melhores condições de trabalho no país.
Nesse mesmo dia, Manuel foi buscar o documento e assim conseguiu regressar a Portugal no dia 4 de maio. "A partir daí, estive em todos os 1.º de Maio", orgulha-se, sublinhando a importância de a população continuar a sair a rua.
Ao seu lado está Fernando Maciel. Para o ex-jornalista de 79 anos, a importância do feriado nacional é equivalente à "importância do povo português". "É preciso lembrar a toda a gente que o 1.º de Maio é a luta dos trabalhadores para o seu bem pessoal, e contra o fascismo e capitalismo", resume.
Tantas décadas depois, as reivindicações da época mantêm-se "atualíssimas", considera. "Veja qual é o salário mínimo hoje em dia. Um casal jovem, como é que faz para pagar a casa, o carro, a creche dos meninos e para se alimentar?", questiona Fernando, concedendo, com a sua voz radiofónica, a necessária inquietação ao tema.
Jovens criticam difícil acesso à habitação
Nesse momento, um grupo de jovens arquitetos desce a Avenida dos Aliados. Entre eles, José Girão, de 29 anos. "Acho que estamos a ser privados dos nossos direitos mais básicos. Estamos a dar o fruto do nosso trabalho sem ter nada em troca: não temos casa para morar, não recebemos salários condignamente em relação ao nosso tempo de trabalho e às horas que damos às empresas. Esses problemas acumulam-se e acompanham-nos ao longo da vida", revolta-se. Por tudo isso, e uma vez que todas estas questões "não são respondidas nem pela classe política, nem pelos empregadores", José diz ver-se "obrigado" a marcar presença em manifestações como a desta tarde.
O futuro da geração, perspetiva, será "mau": "Não temos dinheiro para pagar uma renda nem sentimos segurança. Sou arquiteto e sinto que o teto sobre a minha cabeça é uma coisa incerta. Encontrar uma casa para arrendar é um desafio, comprar é uma tarefa quase hercúlea".
Para o jovem arquiteto, a importância do 1.º de Maio vai perdurar. "Há 50 anos que assim é e acho que isso não vai mudar", critica.
"Esta não é uma luta de velhos: é de novos e de todos"
Também Dores Cunha, de 61 anos, reconhece a importância de os mais jovens saírem à rua: "Porque esta luta é dos trabalhadores. Ainda hoje pediam, para 2030, 1750 euros de salário mínimo. Em França, hoje, o salário mínimo está em 1800 euros e já estão a pedir, para este ano, dois mil euros. Está a ver a diferença? Temos todos de sair à rua. Se uns podem, porque é que nós não podemos? É importante. A luta é na rua e é o povo que manda".
O diagnóstico atual do mundo dos trabalhadores é facilmente traçado por Rita Barros: "Os anos passam, o poder de compra diminui e os nossos direitos enquanto trabalhadores, - em todas as áreas -, acabam sempre por nos ser retirados, de uma maneira ou de outra".
Rita fala com o JN enquanto sobe a Rua de Passos Manuel, sublinhando a importância de "estar presente" naquela manifestação para mostrar "que ninguém nos toma por parvos". "Agora Portugal parece um país de serviços. Somos cada vez mais um país de hotelaria e temos imigrantes escravos. Todos ganhamos menos à medida que o anos passam, por isso todos nós temos de lutar por melhores condições de trabalho e de vida".
Esta luta, garante Rita, de 33 anos, "não é uma luta de velhos: é de novos e de todos".