No Porto, quatro dezenas de pessoas cultivam os antigos terrenos da Ervilha, as últimas áreas que a construção ainda não tomou conta, num convívio que reúne gente de todas as idades.
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Entre prédios e moradias unifamiliares, tão características da zona da Foz, há um Porto verde escondido e que está a ser aproveitado por dezenas de pessoas que ali cultivam as suas hortas em terrenos esquecidos pelos seus proprietários ou à espera por melhores oportunidades imobiliárias. São os últimos agricultores das freguesias da Foz Velha e de Nevogilde, que partilham o gosto pelo cultivo de alimentos para o seu sustento, num convívio entre vizinhos cada vez mais raro nas grandes cidades.
Muito antes de se tornar numa zona de veraneio por excelência e na mais exclusiva e dispendiosa da cidade, a Foz era uma periferia do Porto, terra de pescadores e agricultores e que começou a crescer a partir da zona do Farol de São Miguel-o-Anjo, de sul para norte. No início do século XIX, a freguesia de Nevogilde era representada quase por campos agrícolas.
Desse tempo muito pouco resta e grande parte dos terrenos que persistem são hoje ocupados por hortas familiares de cerca de quatro dezenas de moradores. É o caso da área envolvente ao Campo da Ervilha, do Futebol Clube da Foz, toda recortada em talhões de terra cultivada e rodeada por árvores e ribeiros. Bruno Mota, de 41 anos, sacha os tomateiros recentemente plantados. É pescador da sardinha na Afurada e um homem dividido pelo gosto da pesca e pela agricultura a que está habituado desde os 12 anos.
"Planto de tudo aqui porque o terreno é superfértil. Batata, alfaces, tomate, curgete, couve de todo o tipo, cebola e alho, beterraba e nabos", conta Bruno. Também o milho que alimenta as seis galinhas que tem em casa e que, uma vez por semana, as traz de carro para a horta para elas comerem ao ar livre é ali plantado. "Isto é uma maravilha e um luxo", acrescenta Bruno, que é sobrinho da antiga atleta Rosa Mota e que se rege pelas fases da lua na plantação das hortícolas. "A cheia é boa para tudo o que está fora. Já a vazia é boa para tudo o que está na terra. Tem a ver com a gravidade da água", explica.
Almeida e o cavalo Rafa
E a prova de que "a natureza é perfeita" é o facto de esta zona atrair cada vez mais gente como o Zé Manel e o Pinto. Ou o Ernesto, que do alto dos seus 94 anos continua de mão firme na enxada, faça chuva ou faça sol.
O mesmo há a dizer do Almeida, que com 82 anos produz vegetais que vende na Rua de Gondarém, junto à Farmácia Formosa, com a sua carroça puxada pelo Rafa, o cavalo que o acompanha nas lides da lavoura.
"Tenho os meus clientes certinhos há vários anos e não posso parar porque é isto que me dá vida", conta Domingos Almeida, que foi mecânico, mas nunca deixou a agricultura. "Em 1978, quando fui para Angola trabalhar pela Petrogal, deixei 32 cabeças de gado ao cuidado da minha mulher!", lembra, enquanto abre a tupperware com a comida preparada por Maria dos Prazeres, que o sobrinho lhe deixou no campo, na Rua do Alfageme de Santarém.
O terreno pertence à paróquia que nunca mais ali construiu um lar para a terceira idade. Verdejantes, os terrenos da Ervilha esperam por construção ou que a projetada Via Nun"Álvares os rasgue, da Praça do Império à Avenida da Boavista.
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Lipor tem 13 hortas
Em colaboração com a Lipor, o Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, o município portuense tem 13 hortas urbanas em funcionamento, sendo a mais recente a de Paranhos. Os utilizadores recebem formação em agricultura biológica.
507 talhões
A cidade do Porto tem 176 talhões municipais a que se somam 331 talhões geridos por entidades parceiras (associações, IPSS, entre outras), num total de 507 talhões, que representam um total de 44 114 m2 de área de cultivo. Nos oito municípios associados, a Lipor conta com 56 hortas urbanas.