A Viagem Medieval, evento que há mais de 20 anos recria, na Feira, a Idade Média, não se realizará este ano. A "peste" dos tempos modernos obrigou ao cancelamento da iniciativa, causando prejuízos estimados em 15 milhões de euros. "Estamos numa situação trágica", resume Paulo Santos, ator e responsável pela companhia "Décadas de sonhos".
Corpo do artigo
O presidente da Câmara Municipal, Emídio Sousa, lembra que toda a região fica a perder em áreas como a restauração, hotelaria, turismo, vestuário e alimentação. "Toda a hotelaria fica esgotada na região e milhares de forasteiros movimentam o turismo e o comércio local", explica. "O cancelamento da "Viagem" terá um impacto económico, no mínimo, de 15 milhões de euros", garante.
Em agosto, milhares de forasteiros já não se acotovelarão junto aos pórticos para entrarem o mais rapidamente possível e conseguirem um lugar privilegiado para assistir à recriação de uma qualquer batalha histórica ou saborear o muito requisitado porco no espeto. Fora da zona medieval, os hotéis não terão lotações esgotadas e não haverá filas para a farta clientela entrar nos restaurantes.
12091144
Este ano, os imponentes cavaleiros não se passearão pelas margens engalanadas do rio Cáster. Os guerreiros, os almocreves, os pedintes, as damas, os saltimbancos e muitos outros serão figuras ausentes.
Pior do que a troika
Aos homens e mulheres que, nas últimas décadas ajudaram a recriar os momentos históricos e figuras lendárias e que enfrentaram heroicamente guerras fratricidas e epidemias devastadoras, pede-se, agora, a mesma determinação para enfrentar o momento de adversidade.
Emídio Sousa destaca, ainda, os prejuízos de todos aqueles que trabalhavam diretamente na animação da "Viagem". "Estamos numa situação verdadeiramente trágica", confirma, ao JN, Paulo Santos, da companhia "Décadas de sonho", responsável pelos espetáculos de grande formato.
Com cerca de 25 trabalhadores, seis dos quais a dependerem em exclusivo das recriações históricas, Paulo Santos traça um cenário "nunca vivido". "Todo o trabalho que tínhamos está cancelado. Vamos ter tempos difíceis, muito piores do que vivemos no tempo de troika", antevê.
12117291
A preocupação é comungada por Sara Vitália e Diogo Bastos, da "Companhia teatro em caixa". "Foi o golpe final no nosso moral, ânimo e motivação. Os 12 dias de "Viagem" representavam uma parte importante no nosso rendimento, mas também de satisfação única de poder mostrar o nosso trabalho".
Espírito medieval
O cancelamento faz-se também sentir com grande impacto noutros setores, que têm na "Viagem" uma fonte de receita significativa. O "Talho Tomás", na Feira, vive por altura do evento numa azafama diária, fornecendo a carne que é comprada pelas associações que exploram as tabernas.
"Sem a "Viagem" registamos um impacto muito negativo na empresa. Vendemos muitos porcos e javalis nessa altura", confirma Carlos Tomás, proprietário.
O talho investiu, até, em novas câmaras de frio para garantir resposta à procura em agosto. "É mais um investimento que este ano não tem retorno. Ainda assim, a decisão da organização foi a mais acertada", ressalva Carlos Tomás.
Na hotelaria, fazem-se também contas às perdas. "Durante a "Viagem" ficávamos com a ocupação cheia", explica Eduardo Cavaco, do Hostel da Praça. O empresário lembra que o "investimento de milhões" terá de esperar por melhores dias, mas mostra-se resignado. "Está toda a agente a sofrer. Temos de aprender a sobreviver com isto e esperar que na próxima edição já tudo tenha passado".
Já Miguel Bernardes, proprietário do Restaurante Praceta, é lacónico: "A não existência da "Viagem" vai ter um impacto tremendo. Para nós, representava cerca de 75% da faturação do mês de agosto".
"Não vamos ficar a lamentar, mas incorporar o espírito medieval e tentar encontrar alternativas para minimizar o impacto. Vamos conseguir regressar à normalidade de outros tempos", assegura, convicto.
Viagem comemora 25 anos em 2021
No próximo ano, a Viagem Medieval, organizada pela Feira Viva, Câmara Municipal e Federação das Coletividades, celebra 25 anos de existência. Paulo Sérgio, da Feira Viva, diz que o desafio é transformar esta adversidade numa oportunidade de melhoria. "Vamos construir em 2021 a melhor Viagem de sempre, se Deus quiser", diz.
De condado a reino: A dinastia Afonsina
Em 2021, a Viagem Medieval terá como contexto histórico os três séculos vividos por homens e mulheres tiveram um desejo, uma vontade: fundar um reino! Lutaram contras as adversidades de épocas cheias de dor e preconceitos, mas porque acreditavam nas suas convicções ao perseguir os seus ideais, construíram o reino de Portugal.
12115306
Associações sem receita das tabernas
A "Viagem" representa uma importante fonte de receita para as associações do concelho. A grande maioria explora as tabernas de comes e bebes, conseguindo amealhar no evento parte significativa do orçamento anual. "A decisão era inevitável, mas vai ter um impacto muito grande nas associações", confirma Joaquim Tavares, presidente da Federação das Coletividades. "O movimento associativo já passou por momentos difíceis. Vamos à luta e encontrar formas de sobreviver", garante. Para Jorge Pintassilgo, responsável pela associação Andorinhas de Espargo, "não estar presente na "Viagem" condiciona todo o trabalho que seria desenvolvido durante o ano". Também Tiago Afonso da associação juvenil CIRAC, afirma que a decisão "deixará mazelas". "Espero que não haja afastamento das pessoas das coletividades e que para o ano todos estejam de volta", conclui.