<p>Ministério Público pede condenação de obstetra, acusada do crime de recusa de médico, envolvida no caso do parto de uma criança (Gonçalo) que nasceu com paralisia cerebral e uma incapacidade de 95 por cento, há sete anos, na maternidade de Mirandela. Acórdão conhecido esta tarde. </p>
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Nas alegações finais, em Julho, o Procurador do Ministério Público (MP) pediu a condenação da médica, mas com pena suspensa durante 80 meses tendo em conta o “excelente currículo profissional da médica em causa”.
A acusação pediu a condenação da profissional de saúde pela autoria material, na forma consumada, de um crime de recusa de médico, que pode ir até aos 5 anos de prisão efectiva. Já a defesa da arguida pede a absolvição, por considerar que ficou provado não existir qualquer responsabilidade da obstetra neste caso.
Os factos remontam a 11 de Fevereiro de 2003, dia em que Isabel Bragada (mãe do Gonçalo) deu entrada, no hospital de Mirandela com 39 semanas e dois dias de gestação. A médica obstetra (arguida) decidiu que iria provocar o parto e propôs o internamento. Não obstante encontrar-se em regime de presença física, Olímpia do Carmo ausentou-se do hospital para sua casa a partir da cinco da tarde.
Entretanto, a parturiente entrou no período expulsivo, mas não colaborava, por exaustão, e o feto veio a ficar encravado. A permanência deste no canal do parto, “provocou-lhe dificuldades respiratórias, cada vez mais graves, e consequente falta de oxigenação do sangue, com inerente perigo grave para a sua integridade física e até para a sua vida”, refere o MP.
Tal perigo, “não podia ser removido de outra forma senão pela intervenção médica da arguida, que foi novamente contactada para o efeito e terá comparecido dez minutos depois”, socorrendo-se de ventosa, mas o bebé viria a nascer com paralisia cerebral e epilepsia, com uma incapacidade permanente de 95 por cento, apresentando, do ponto de vista neurológico, um gravíssimo atraso de desenvolvimento psico-motor.
A médica obstetra disse, em tribunal, que nada fazia prever os problemas no parto em causa e que depois de chamada demorou “dois ou três minutos” a chegar. A obstetra, de 51 anos, diz que nunca lhe foi solicitada a sua presença, até porque “foi-me transmitido que os registos cardiotacográficos estavam normais”, acrescentou.
Apesar de admitir que se ausentou do hospital quando estava em regime de presença física (alegando que se tratava de uma prática normal nos profissionais de saúde que tivessem residência próximo do hospital, em períodos de almoço e jantar), a obstetra considera que “caso estivesse presente, o parto poderia ter o mesmo desfecho”, explicou.
A médica já cumpriu suspensão de noventa dias decretada pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde por considerar que actuou com “desleixo e incúria” no trabalho de parto, ao ter-se ausentado do hospital, para jantar, quando estava em regime de presença física, embora não estabeleça qualquer “relação de causa e efeito” entre a conduta da médica e a condição do recém-nascido.
O julgamento acontece por determinação do Tribunal da Relação do Porto que decidiu, em Junho de 2009, levar a médica a julgamento, contrariando uma decisão anterior do Tribunal Judicial de Mirandela.
Isabel Bragada (mãe do Gonçalo) espera que a médica “seja punida pelo estado em que deixou o meu filho” e que o tribunal lhe dê razão no pedido de indemnização para proporcionar “melhor qualidade de vida” ao Gonçalo. Além disso espera que “este seja um exemplo para a sociedade de que os médicos não são impunes e temos de acreditar na justiça portuguesa”, conclui.
Expectativa contrária tem o advogado de defesa da obstetra. António Lourenço está convencido que a profissional de saúde será absolvida. “Creio que o tribunal vai apreciar correctamente a prova e esperamos que decida pela absolvição, não tenho dúvidas disso” afirma. “O facto de a médica estar ou não no hospital traduz-se num possível ilícito administrativo que já foi indiciado e sancionado e agora corre um recurso administrativo” acrescenta, salientando que “não deve haver confusão entre os dois casos” ou seja entre “a provável ausência da médica do hospital e as lesões provocadas no Gonçalo”.
O dia a dia do Gonçalo
Com sete anos de vida, esta criança é completamente dependente, tem paralisia cerebral e uma epilepsia descompensada que necessitam de cuidados permanentes, implicando a deslocação ao núcleo de Vila Real da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, duas vezes por semana, para terapia ocupacional, fisioterapia e apoio técnico precoce.
Como os pais trabalham, foi necessário contratar uma ama para cuidar da criança, dado que o Gonçalo necessita diariamente de ser alimentado por uma sonda, de medicação, e de anabolizações constantes.