Ovar comprou material e criou um autêntico serviço de medicina interna num pavilhão de basquetebol. Abriu portas há precisamente uma semana e já tem 11 doentes.
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As bancadas pretas, brancas e vermelhas de onde se assistia a feitos no basquetebol estão cobertas de branco. Em campo, três filas de camas. A arena Dolce Vita de Ovar está transformada num hospital para a Covid-19. No meio de um concelho que esteve isolado durante um mês, centenas de voluntários responderam ao apelo do autarca Salvador Malheiro a profissionais de saúde. O "Anjo d"Ovar", como os vareiros o apelidaram, abriu portas há uma semana.
Quando o médico Pedro Miranda, 29 anos, viu o apelo de Malheiro, a 22 de março, para ajudar num hospital de campanha, voluntariou-se. Saiu de Vila Real, onde trabalha no hospital, no dia seguinte. Longe de imaginar que não voltaria a casa. "Ainda não voltei. Quando cheguei, não havia arena, médicos, nada". Como ele, Ovar recebeu cerca de 200 voluntários, desde estudantes a dentistas. Nem todos ficaram e muitos foram dar apoio noutras estruturas.
Experiência na Guiné
Pedro não trouxe o livro de instruções para montar um hospital, mas tinha a experiência clínica que faltava a um Município em agonia para salvar doentes. Afinal, já tratou gente em esteiras na Guiné-Bissau. "A dinâmica arrancou pela Câmara, que tinha um gabinete de crise sem médicos". Ele ajudou. Comprou-se material clínico, camas articuladas, monitores, botijas de oxigénio. Só ao fim de 15 dias, o hospital local assumiu a gestão do Anjo d"Ovar e começou a contratar médicos e enfermeiros. Nessa altura, Pedro já conhecia os cantos à casa e ficou a coordenar. No dia 1, tinha de voltar ao hospital de Vila Real, mas Ovar pediu-o "emprestado".
Há uma semana, o Anjo d"Ovar recebeu os primeiros oito doentes. Hoje chegam mais três. Tem 38 camas, todas com oxigénio. Para retirar pressão dos hospitais de Ovar, Feira e Aveiro. Pedro trabalha 18 horas por dia, dorme num hotel. "Sou médico de permanência, faço de tudo. Isto saiu da boa vontade de muita gente, mas faltava formação".
Lá dentro, há zonas vermelhas e laranjas, onde se entra com fatos brancos e azuis. Um raio X portátil e duas salas de emergência para casos críticos. "Tivemos uma doente que, em meia hora, passou de espirros a entubada", relata. Quando descompensam, vão para a Feira. A área de enfermagem fica no centro da arena, para estar sempre a ver o doente. E há uma farmácia completa. "Estar aqui é o mesmo que estar num serviço de medicina interna de qualquer hospital". Pedro sai, depois de passar pelo chuveiro, já o relógio bateu as 23 horas. E volta todos os dias antes das 7.30.
Calamidade
Quando há um mês foi declarada calamidade pública para Ovar, o concelho contava pouco mais de 30 infetados. Hoje, nas contas da Câmara, ultrapassou os 600. Conta 29 óbitos e 73 recuperados. O primeiro caso conhecido foi o de uma jovem, 17 anos, que estuda na Feira. "Mas o que nos preocupou mais foi a informação de sete profissionais de saúde infetados no posto de saúde de S. João de Ovar", diz Salvador Malheiro, que acredita que isso terá motivado a subida galopante de casos confirmados.
Foi montada uma cerca a 18 de março a 55 mil pessoas e um gabinete de crise que se reunia duas vezes por dia e que sentou à mesa instituições e corporações que não tinham um diálogo fácil. Ovar lutou. Criou um centro de testes, comprou zaragatoas e testou mais de 100 pessoas por dia. Montou estruturas para acolher infetados. Comprou equipamento de proteção individual para quem está na linha da frente. A cerca foi levantada no sábado.