Os Censos 2021 terminaram segunda-feira e deixaram a descoberto uma cidade do Porto muito diferente da que existia há dez anos, aquando do último recenseamento, sobretudo em todo o Centro Histórico.
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O boom turístico alterou todo o tecido social e cultural. Nada que já não se suspeitasse: há mais casas, mas isso não significa que haja mais moradores, pelo contrário. Há mais idosos sozinhos, menos famílias e crianças. Mais sem-abrigo, mais imigrantes e sobrelotação de habitações.
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Esta perceção é dada por quem calcorreou as ruas da cidade, os recenseadores que, de porta em porta, entrevistaram os residentes e preencheram os formulários que não eram feitos pela Internet. A diferença existe entre a zona alta, que precisou de menor contacto presencial do que a zona baixa da cidade, com uma população envelhecida e nada familiarizada com as novas tecnologias. "Vemos que há mais casas. Onde antes estava uma ruína ou uma casa devoluta agora há ocupação, mas na maior parte dos casos são alojamentos turísticos e restauração. O que vemos são muitos idosos completamente sozinhos e imigrantes que se instalaram por causa do turismo", conta a recenseadora Paula Simões.
Comunidade destruída
Agostinho Jardim Moreira, padre há mais de meio século em São Nicolau e na Vitória, perdeu 20 mil paroquianos e diz que "é urgente as entidades responsáveis repensarem a forma de fazer uma cidade cuja comunidade está a ser destruída".
Paula Simões está na zona da Fontinha e bate à porta de Rosa, uma antiga vendedora imobiliária, hoje com 92 anos. "Já foi recenseada, mas pede-me para que sempre que passe aqui lhe bata à porta. Não tem ninguém e quer conversar. Insiste sempre para entrarmos, mas os recenseadores não podem entrar na casa das pessoas", explica.
Cada um dos 52 recenseadores tinha 650 alojamentos em média para visitar. Muitas vezes não lhes abriram a porta. Em alguns casos, houve até agressão verbal. Têm medo das vigarices, como o caso do casal que se passou por recenseador e burlou vários idosos, na Rua do Bonjardim.
Gente de todo o mundo
No processo de recenseamento todos são tratados de igual e os chefes das comunidades imigrantes tiveram um papel importante. Há pessoas de todo o Mundo instaladas no Porto a trabalhar no turismo.
A maior comunidade é a do Bangladesh, que gere as lojas de souvenirs, mas a brasileira, que trabalha na restauração, e a cabo-verdiana, que opera na construção civil, também são representativas. Ninguém ficou de fora, nem as pessoas em situação de sem abrigo, em resultado de uma parceria do INE - Instituto Nacional de Estatística como Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo.
Pormenores
Perda de habitantes
A cidade do Porto perdeu cerca de um terço da população desde o final da década de 1970 (100 mil habitantes em quatro décadas), que se fixou em concelhos da periferia. Há dez anos, ainda antes da gentrificação turística, nos 49 hectares do território classificado pela UNESCO viviam cinco mil habitantes.
Regras no Alojamento Local
Para manter população e evitar excesso de unidades hoteleiras na zona classificada, a Câmara do Porto aprovou em 2019 o Regulamento de Alojamento Local (AL), avançando com a suspensão de novos registos no centro histórico da cidade e na freguesia do Bonfim.