Imigrantes vivem debaixo de viaduto: tendas são último refúgio na busca por uma vida melhor
Dificuldade em arrendar casa levou 27 imigrantes a montar acampamento em Campanhã, no Porto.
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Esta história não devia começar assim. Said tem 48 anos, é marroquino, e a morosa e infrutífera procura por um trabalho no Porto conduziu-o a uma das 27 tendas montadas por baixo do viaduto da linha de comboio em Campanhã. É lá que dorme há dois meses. O pouco dinheiro que trouxe para Portugal permitiu-lhe passar algumas noites num hostel, mas já não resta nada no orçamento. Bateu a 15 portas a pedir emprego. Diz que não importa o setor e que "qualquer trabalho serve". O nome é fictício. O relato não.
"Não estou bem assim, mas arrendar uma casa é muito caro. Não tenho trabalho, não tenho nada. Quando encontrar emprego talvez consiga arrendar um estúdio", espera o imigrante, de barba feita e roupa lavada. Consegue almoçar, jantar e fazer a higiene diária através das respostas sociais espalhadas pela cidade, mas o problema da habitação é o muro mais difícil de derrubar. Sem morada permanente, Said não consegue legalizar-se, mas rejeita qualquer solução que implique viver numa casa sobrelotada.
É precisamente por quererem evitar um incidente que aquelas 27 pessoas, entre as quais marroquinos, argelinos e tunisinos, se mantêm no acampamento. É uma espécie de solução de emergência para quem chega ao país e esbarra nas mesmas dificuldades. Quem encontra emprego e consegue sair das tendas dá a vez a outro, mas na maioria das situações, mesmo com trabalho, os contratos temporários e os baixos salários nunca são suficientes para suportar as rendas elevadas.
"Às vezes, juntam-se quatro ou cinco pessoas e ficam todas num quarto pequenino e em ruínas. Cada uma paga entre 250 e 300 euros e é só para dormir e tomar banho. Não há cozinha", conta outro imigrante. Hasan (nome fictício) está no Porto há um ano e diz ter um curso de hotelaria. Mesmo assim, nunca conseguiu um contrato de trabalho com uma duração superior a oito meses. "Só quero trabalhar. Tenho experiência e diploma", atesta o marroquino, de 33 anos.
Said já pediu emprego em restaurantes, hotéis, lojas e construção civil: "Pedem o meu número de telefone e dizem para esperar".
imigração triplicou
Entre a comunidade de imigrantes, os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro são a chamada "época baixa". De acordo com o presidente da Associação Comunidade do Bangladesh do Porto, Shah Alam Kazol, "esses quatro meses são difíceis para entrar no mercado de trabalho". Além disso, acrescenta, o número de imigrantes terá "triplicado" face a 2019.
"Estamos a ver o alojamento local a aumentar e a habitação permanente a diminuir. As pessoas não conseguem ter acesso. Estamos a falar de imigrantes, mas são portugueses também. Tem de haver uma coordenação entre o poder local e o poder central, para definir que condições há para receber quem chega aqui", sugere Shah Alam.
São 15 horas e Hasan e Said regressaram ao acampamento há cerca de meia hora. Levantaram-se às oito da manhã e percorreram a cidade confiantes de que aquele seria o dia "D". Não foi. Nenhuma história devia acabar assim.
Medidas
Alojamento de emergência
Em relação a medidas para a habitação, o primeiro-ministro, António Costa, referiu que o PRR tem "19 milhões de euros para alojamento de emergência ou temporário".
Proteção para países da CPLP
O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, revelou que os imigrantes de países da CPLP vão beneficiar de um "estatuto de proteção até um ano", equivalente ao de quem fugiu da guerra na Ucrânia.
Acesso à saúde e Segurança Social
O governante disse ainda que essa solução "permite acesso direto à Segurança Social, saúde e número fiscal". Adiantou que "significará uma resposta para 150 mil pessoas".