Regulamentação proíbe venda em Portugal. Seca atrasou produção, mas apanhadores chegaram a vender o quilo a 14 euros.
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A seca prejudicou o negócio dos cogumelos selvagens em Trás-os-Montes, atrasando o seu nascimento durante algumas semanas. Quando rebentaram já chovia muito e a humidade levou ao apodrecimento de fungos. Ainda assim, o preço dos boletos, os mais apreciados, chegou aos 14 euros por quilo no início desta época, mas nos cogumelos de segunda classe (menos bons) o preço caiu para dois euros. Outras variedades, com sanchas e setas, só estão agora a produzir.
"Depois da seca veio a chuva em demasia e com a queda das folhas das árvores, como o castanheiro, que ensoparam com a água, os boletos quando ficaram bons para a apanha já estavam velhos e sem qualidade, perdendo valor comercial", descreveu Manuel Moredo, presidente da Associação Micológica A Pantorra, sediada em Mogadouro.
Revendem em Portugal
Apesar destas contingências da natureza, os cogumelos, principalmente os apreciados boletos, continuam a ser muito procurados em Miranda do Douro e Mogadouro, onde espanhóis se abastecem, muitas vezes para revender para Portugal. A comercialização destes fungos silvestres continua por regulamentar no nosso país e são os espanhóis que lucram. "Quem os apanha no campo não pode vender diretamente aos restaurantes ou supermercados, porque para isso precisaria de uma empresa que fizesse a certificação que são comestíveis e não conheço nenhuma na região de Trás-os-Montes", explicou Manuel Moredo.
A luta pela regulamentação da apanha de cogumelos tem duas décadas. Os restaurantes contornam a situação comprando estes produtos a empresas espanholas. "É um risco para quem vende e para quem compra. Pode ser considerado ilegal, mas quem apanha vende a empresas nacionais ou espanholas, que os revendem também em Portugal, porque comercializam com certificação", admite Moredo.
O grosso da restauração compra cogumelos produzidos em estufas e não variedades que há na natureza, como os boletos, as pantorras, as sanchas ou as setas que fazem as delícias dos apreciadores.
Além da Sousacamp, a maior empresa de cogumelos do país, no distrito de Bragança há outras mais pequenas, nomeadamente duas em Mogadouro e outra em Vimioso. "Normalmente só produzem uma ou duas variedades e nem conseguem satisfazer a procura. Os mais apreciados são os selvagens porque têm características e sabores únicos que ainda não se conseguem produzir em estufa", observou o dirigente da Pantorra.
Maria Pinto apanha cogumelos selvagens na zona de Mogadouro vai para 30 anos e vende para Espanha. "Há um comerciante espanhol que passa cá todos os anos para comprar e depois revende em Zamora. Vendem-se bem. Chego a fazer mil euros ou mais, depende dos anos. É uma ajudinha no orçamento familiar para as compras de Natal. A época de apanha de cogumelos dura menos de um mês", disse ao JN.
Proibição
Míscaros na lista vermelha da União Europeia
A Associação A Pantorra não recomenda a apanha e consumo de míscaros, uma variedade muito apreciada, mas que está na lista vermelha da União Europeia. Ou seja, estão classificados como produtos que não devem ser ingeridos.
"Em todos os países da Europa a apanha de míscaros está proibida porque se presume que possam ser mortais, pois atacam o músculo do coração. Em Portugal, na zona das Beiras, fazem- -se muitos festivais do míscaro. Há que investigar se as pessoas que morrem de ataque cardíaco foram acometidas por doença ou por excesso de consumo de míscaros durante dias. Já houve mortes em França, Bélgica e Itália que estão a ser atribuídas a este cogumelo", explicou Manuel Moredo.
Face a esta proibição, a Pantorra não recomenda a apanha e ingestão deste cogumelo e lança o repto às instituições de Ensino Superior, nomeadamente à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com quem tem um protocolo de colaboração, para que se faça investigação. "Era urgente fazer um estudo sobre as zonas onde se comem mais míscaros, como as Beiras, e cruzar a informação com os hospitais para se saber a origem dos ataques cardíacos ", indicou Manuel Moredo.
A saber
600 variedades
No Nordeste Transmontano estavam identificadas cerca de 400 variedades de cogumelos selvagens, mas este ano a Associação A Pantorra identificou mais duas centenas. No Mundo são conhecidas três mil espécies.
Turismo micológico
Cada vez mais procurados, os Encontros Micológicos fazem parte do calendário de atividades do outono em Mogadouro, Miranda do Douro, Macedo de Cavaleiros, Vimioso, Vinhais e Carrazeda de Ansiães.
Na primavera
A Pantorra vai aproveitar os fungos da primavera, menos conhecidos. No dia 27 de maio realiza o encontro "À descoberta dos cogumelos de primavera", em Bragança.