Cerca de 160 pessoas vivem num conjunto de barracas, em Grijó, Gaia. A autarquia está a trabalhar no processo.
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As crianças que brincam na rua e a roupa estendida ao sol não deixam dúvidas de que naquele conjunto de barracas vivem famílias. Sónia Soares nasceu ali, na Rua das Casas Queimadas, em Grijó, Gaia, há 28 anos e foi ali que criou os sete filhos, as mais novas são gémeas que segura no colo. "Prometem casa, prometem terreno e nada", lamentou Sónia, que não sabe onde nem quando terá uma casa com condições básicas.
Há mais de 20 anos que as famílias esperam o realojamento prometido. As casas construídas com chapas e o lixo que se acumula no chão denunciam as más condições em que vivem as comunidades ciganas nas ruas Casas Queimadas, Agros e Rio Velho.
De acordo com a Câmara de Gaia, os terrenos pertencem à Brisa - Autoestradas de Portugal e o realojamento ainda não avançou por atrasos na concretização do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU). O JN pediu esclarecimentos à Brisa, mas não obteve resposta em tempo útil.
"Não tem condições"
Com olhares desconfiados, os moradores vão-se aproximando e abrindo as portas das casas improvisadas à face da estrada, com luz puxada de um poste e água cedida a balde por uma empresa. Para tomar banho utilizam bacias e as necessidades são feitas no pinhal ou em casas de banho públicas. As portas de madeira estão desfeitas e os telhados são toldos.
Os problemas, dizem os residentes, aumentaram com a construção da estrada VL5: faltam passadeiras e a velocidade com que passam os carros provocam alguns acidentes. Em março do ano passado, Sónia encontrou o filho deitado na estrada. "Pensei que ele tivesse morrido. Foi atropelado mesmo aqui", recordou. Apesar de viver nas barracas desde que nasceu, sabe que não pode continuar assim. "A vida que eu tenho aqui é normal para mim, mas não tem condições", admitiu.
Ao longo dos anos, foram várias as promessas de realojamento que nunca chegaram a ser concretizadas pois, explica Patrícia Martins, psicóloga do Centro Social e Paroquial de Grijó, que acompanhou as comunidades durante 14 anos, "os projetos eram inconcebíveis". Atualmente, acredita que a "mudança deve acontecer até 2020" e prevê-se que sejam "realojadas cerca de 160 pessoas".
A maioria dos moradores diz que não consegue arranjar emprego e vive com o rendimento social de inserção. Soma-se o apoio do Centro Social e Paroquial de Grijó. Numa parceria com o Centro de Emprego e a Câmara de Gaia nasceu o curso de Assistente Familiar e Apoio à Comunidade. O principal objetivo é que os moradores comecem a criar rotinas para quando forem realojados.
"Sede de aprender"
Desde abril que 40 alunos frequentam o curso que começa às 9 da manhã e se prolonga até às 16.30 horas. Metade está a terminar o curso de alfabetização, equivalente ao quarto ano, e os restantes a concluir o sexto ano de escolaridade.
Elisabete Alves é uma das formadoras que acompanha a turma do quarto ano. A professora destaca a "sede que todos têm de aprender" e acredita que o curso lhes dá "mais conhecimentos e que os ajuda a sentirem-se mais confiantes e autónomos".
Através do Contrato Local de Desenvolvimento Social, o Centro Paroquial quer ajudar os residentes a encontrarem emprego que pode passar pela criação do seu próprio negócio. Patrícia Martins acredita que "só precisam de uma oportunidade para provar que são capazes". "Eles estão preparados, só faltam as casas", acrescentou a psicóloga.
Viver com o preconceito
Fernando Santos tem 27 anos e é um dos alunos inscrito no curso de alfabetização que lamentam continuar a "viver num barraco". Mas não é o único. A história é contada na primeira pessoa por Filomena Santos, 39 anos, e pelo marido Luís Clemente, 34. "Se uma pessoa sabe estimar um anexo, quanto mais uma casa", desabafou Filomena.
Nas comunidades, somam-se os relatos de dificuldades em encontrar senhorios dispostos a alugar-lhes uma casa. Depois de várias tentativas, Augusta Soares já pode pintar o quadro com cores mais alegres. Foi a única que, há cinco anos, com o apoio do Centro Social, conseguiu alugar uma casa onde mora com o marido e a filha Joana. Agora com 11 anos, Joana foi a primeira criança da comunidade a frequentar o infantário. Agora, todas vão à escola.
Contactada pelo JN, fonte da Câmara Municipal de Gaia afirmou que o realojamento das comunidades "só poderá ocorrer quando a candidatura estiver física e financeiramente concluída", não sendo possível adiantar com exatidão uma data.
População
À espera de realojamento estão três comunidades ciganas. Destaca-se uma população jovem constituída por 40 homens, 42 mulheres e 63 crianças. Estes números podem oscilar, "uma vez que há sempre nascimentos e casamentos que levam à entrada e saída de elementos", avança a psicóloga Patrícia Martins.
Novas casas
Os projetos de construção das novas habitações, que devem nascer nas imediações das atuais barracas, devem incluir espaços para a criação dos próprios negócios nas áreas da estética e das artes. O objetivo é que as famílias comecem a ter outras fontes de rendimento para conseguirem pagar a renda mensal e as despesas da luz e água.
Plano de realojamento já foi aprovado
O realojamento das comunidades ciganas está integrado no PEDU e será financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e pelo Município de Gaia. Os objetivos passam pela "reabilitação de espaços e unidades industriais abandonadas e pela integração de públicos desfavorecidos", explicou a Câmara de Gaia. As novas unidades habitacionais vão permitir a "reconversão urbana e requalificação física dos edifícios integrados na proposta de intervenção".