Rituais como a cura dos enchidos à lareira devem resistir à modernidade.
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O Parque Biológico da Serra da Lousã, na Quinta da Paiva, Miranda do Corvo, acolheu ontem o 1.º Capítulo da Real Confraria da Matança do Porco. O objectivo é reabilitar a prática de matar o porco para consumo próprio.
A entronização dos primeiros confrades, na Quinta da Paiva, em Miranda do Corvo, realizou-se a par da actuação do Rancho Folclórico das Tecedeiras dos Moinhos, que fez uma encenação tradicional da matança do porco, tal como era hábito nas casas das famílias de lavradores da região.
A Fundação ADFP - Associação para o Desenvolvimento e Formação Profissional - de Miranda do Corvo, criou a Real Confraria com o objectivo de revitalizar e preservar o hábito secular da matança do porco.
Há tradições que os amantes do porco não querem de todo perder, nomeadamente o salgar dos presuntos, o fazer dos enchidos ainda curados ao fumeiro das lareiras. Contudo, é com naturalidade que mesmo as pessoas mais antigas olham hoje para as arcas congeladoras que lhes permitem guardar partes do animal que em tempos tinham de ser salgadas e agora podem ser consumidas frescas.
Com 58 anos, Fernando Rodrigues aprendeu com o pai, há mais de 35 anos, os segredos que envolvem todo o processo de criação, matança e aproveitamento dos suínos em que quase tudo é comestível. "Julgo que a única coisa que não se aproveita do porco para alimentação é mesmo a bexiga que em crianças enchíamos de ar com a ajuda de uma caninha e a transformávamos numa bola", contou ao JN este funcionário público que nos tempos livres gosta de cuidar da horta e criar uns porcos.
Quando se começou a falar da proibição das matanças em ambiente familiar, Francisco Rodrigues diz que não compreendia, até, porque, sublinha, "tudo é feito com o máximo de higiene e cuidado". "E não fazemos negócio com isto, é apenas para consumo próprio", acrescenta.
Fernando Rodrigues era ontem era um homem satisfeito com a criação da Confraria. E não se fez rogado perante um porco de 120 quilos, criado na quinta ecológica. Depois de o matar, os presentes puderam assistir ao trinchar do animal e a divisão das diferentes partes, nomeadamente as destinadas a ficar dois meses na salgadeira, como os presuntos.