Sonhos de infância, falta de produtos e paixão pelos ritmos dão forma a cada vez mais espaços de promoção da cultura africana no Grande Porto.
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"Há oito anos, se ouvíssemos uma música afro num carro, em quase 90% das situações estaria um nativo dentro do veículo. Hoje, os ritmos estão muito generalizados e ouvimos kizomba no carro, na televisão, nos centros comerciais", explica o português Ricardo Sousa, 35 anos, professor de dança e sócio-proprietário do Muxima Bar, em Gaia. "Houve uma massificação e uma abertura a estes ritmos que já não têm idades, cor ou bandeiras", remata.
Nos últimos anos, o Porto tem vindo a assistir ao aumento de estabelecimentos comerciais onde se partilha a cultura africana. Só na Rua de Santa Catarina, existem duas mercearias, uma loja de artesanato e outras cinco de beleza e estética.
Todos os estabelecimentos contactados pelo JN confirmam que pelo menos metade dos clientes são portugueses. Nas artes, nas discotecas e na restauração a procura disparou nos últimos anos.
"Agora, o restaurante da Tia Orlanda é o nosso ponto de encontro, para sorrir, conviver e fugir um pouco da rotina, num ambiente diferente", contam, já de barriga cheia depois de um almoço com sabores moçambicanos, Sílvia, Maria, Teresa e Leonor, quarteto de ceramistas portuguesas.
Muxima Bar
"Fazemos tudo com muito coração"
O Muxima Bar já esteve instalado na zona industrial do Porto e até já esteve de portas "fechadas", mas nunca deixou de funcionar. Há nove anos, estabeleceu-se na Rua Lourenço de Oliveira, em Gaia.
Apesar das mudanças, nunca perdeu a essência: "Um espaço de diversão, aberto a todos que queiram dançar ou simplesmente tomar um copo num ambiente relaxado", conta, sorridente, Ricardo Sousa. "Fazemos tudo com muito coração", sentencia.
O Muxima Bar é uma discoteca que promove as culturas afro-latinas. Está aberto três dias por semana com noites temáticas. As terças são dedicadas aos ritmos africanos, as sextas e os sábados são para as batidas afro-latinas. Ricardo e os sócios, um angolano e outro venezuelano, são também proprietários da escola ALC Dance Studios, a funcionar no Porto e onde ensinam e transmitem o amor pelas culturas afro-latinas.
African Arte
"Pôr a cultura africana no devido lugar"
É a maior galeria especializada em arte africana em Portugal. "Hoje, faço sucesso, mas no princípio, quase fiquei traumatizado", confessa aliviado Seydou Keita, 57 anos, proprietário da galeria, na Rua de Dom João IV, no Porto. O galerista do Mali explica que nos primeiros meses não entrou ninguém na loja: "Foi muito difícil, mesmo".
Seydou omite-se para dar lugar às obras de arte, dizendo que tem como missão "pôr a cultura africana no devido lugar". E lamenta o facto de o "valor da obra de arte africana encontrar-se no seu proprietário", exclama.
A galeria, aberta de segunda a sábado, está dividida em dois pisos: o primeiro é dedicado a arte tribal e etnográfica, onde podemos encontrar máscaras, estatuetas, bogolan (tecido de algodão tingido tradicionalmente com lama) e terracota dos vários países. Já a parte inferior contém obras contemporâneas e artesanato.
Africa Fashion
"Tem de estar aberto a todos"
Foi das primeiras barbearias com especialidade em cabelos afro masculinos, no Porto. Abriu há 16 anos e, hoje, a maioria dos clientes são estudantes universitários africanos. Apesar da especialidade, todos são bem-vindos. Impulsionado pelo gosto pela culinária, o cabo-verdiano Lucas Lopes, de 54 anos, proprietário da barbearia, na Rua de Santa Catarina, aventurou-se na restauração e abriu ao lado do cabeleireiro um café, o Ponto Verde, e um restaurante, mas ambos acabaram por encerrar pouco tempo depois. Além dos prejuízos, ficou também uma lição: "Não dá para abrir um negócio pensando só em África ou só nos africanos. Tem de estar aberto a todos", garantiu.
Tia Orlanda - Sabores Moçambicanos
"Sempre quis mostrar a minha cultura"
É o restaurante com a maior pontuação do TripAdvisor, no Porto, na categoria de culinária africana. Aos 14 anos, Orlanda Barbosa mudou-se de Moçambique para Portugal com a família, mas trouxe na bagagem o sonho, há sete anos concretizado na Rua das Taipas, de ter um restaurante. "Com a minha persistência, não desisto nunca. Sempre disse que iria abrir um restaurante", afirma, orgulhosa. No princípio, o restaurante era procurado por africanos que vinham matar a saudade, mas agora pessoas de todo o lado procuram o espaço.
No restaurante, tudo diz respeito à cultura africana, uma experiência gastronómica e visual de imersão: da alegria às peças de artesanato, das toalhas de mesa aos pratos e à cerveja, é tudo típico. "Sempre quis mostrar a minha cultura", conclui.
Amália Beauty
"Africanas querem liso, as portuguesas tranças"
"Quando cheguei ao Porto, há quase 19 anos, só conhecia uma loja que atendia as necessidades do cabelo afro", conta Amália Augusta, de 49 anos, proprietária da Amália Beauty, no centro comercial Galeria Atlantis. Depois de trabalhar por conta de outrem decidiu abrir a primeira loja de cosméticos para cabelos afro em Aveiro, cidade onde ficou quando há 27 anos veio, com o marido, da Guiné-Bissau, para trabalhar num restaurante.
Entretanto, mudou-se para a Invicta por ser mais movimentada e abriu a loja onde vende perucas, extensões, óleos, seruns entre outros produtos. Nos últimos anos, começou a expandir o negócio, ampliando a oferta. "Se as africanas querem aplicar cabelos lisos, as portuguesas querem fazer tranças, uma troca", explicou, sorrindo, enquanto faz uma permanente. Há dois anos abriu o salão de beleza e meses depois uma minimercearia. Os três estabelecimentos estão abertos de segunda a sábado.