Profissionais de várias áreas fazem jornada noturna para que a cidade do Porto funcione de dia.
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O sol põe-se e uma multidão corre para chegar a casa, ao tão merecido descanso. Para trás, ficará mais um dia de trabalho e a crença de que à noite a cidade dorme. Enquanto a maioria deita a cabeça na almofada, há muitos profissionais que estão a abrir a porta para começar mais um turno de trabalho, aquele que existe para deixar a cidade pronta para o dia seguinte.
Pintam as estradas, repõem a sinalização, recolhem o lixo, fazem a manutenção dos espaços pela madrugada dentro. Multiplicam-se em tarefas que não podem ser realizadas durante o dia, sem o frenesim da cidade diurna, a correria de pessoas, o trânsito ou o som dos carros. O tempo parece passar mais devagar, mas só assim os profissionais que fazem da noite o seu dia de trabalho conseguem trabalhar.
Centro de comandos de Manutenção
Controlar à distância
Já trabalha no centro de comandos de manutenção do metro do Porto há 13 anos. "Ainda não existia a linha da Póvoa de Varzim, nem a de Fânzeres", lembra João Morais, de 38 anos. "Fui contratado para este posto com o intuito de, durante a noite, controlar e supervisionar todos os trabalhos que acontecem no metro durante a noite."
O seu posto de trabalho é em Guifões, Matosinhos, numa sala recheada de ecrãs de computador e painéis com imagens de toda a rede do metro. "Temos o panorama da rede toda."
A noite é por vezes solitária, mas à distância João coordena cerca de 30 pessoas. "Desde a energia, à sinalização, tudo é controlado por nós. Coordenamos todas as equipas no terreno, desde a manutenção dos elevadores aos cabos e às equipas de limpeza."
Um trabalho que durante o dia seria impossível, porque o metro circula a todos os minutos. "Um passo errado durante a noite pode tornar-se num mau dia. Somos a função vital do metro", explica João. Apesar de estar no mesmo posto há treze anos, o trabalho não se torna monótono. "Nunca estou a fazer a mesma coisa. Ao fim destes anos todos, ainda me aparecem coisas que nunca fiz. Estou sempre a aprender".
O gosto pela profissão é fundamental para quem trabalha por turnos: "Não é fácil fazer o horário da noite. É só mesmo para quem gosta". Mas nem tudo é mau. "Como somos poucos, acabamos por nos tornar numa família e nas folgas vamos passear de mota ou de bicicleta, fazemos almoços e aliviamos o stress, porque compreendemos o que o outro está a sentir".
Sinalização de trânsito e pintura de estradas
Há 40 anos na rua
O cheiro da tinta inunda o ar frio e húmido da noite. Perto da praia, na Foz, Joaquim Santos, de 54 anos, supervisiona a equipa de sete elementos: já estão a pintar o segundo conjunto de passadeiras da noite. Até às duas da manhã, o serviço repete-se vezes sem conta, ao ritmo de oito a nove traços por hora.
"Já estou nas pinturas à noite há 33 anos", diz Joaquim, com um ar leve e sorridente, como quem se levanta da cama de manhã.
A noite não o atormenta e até prefere este turno, porque é tudo muito mais calmo. "Esta é a profissão que gosto e fui eu que a escolhi", conta Joaquim.
Com os olhos pregados no chão para deixar as linhas perfeitamente pintadas, Manuel Soares, 69 anos, é um dos homens mais experientes da equipa. "Em 1978, candidatei-me às vagas da Câmara e aqui estou há quarenta anos", lembra.
O casaco salpicado de tinta branca não engana: o trabalho é duro. "Cansa muito e é desgastante. Só chego a casa por volta das três da manhã e está toda gente a dormir, e quando acordo já não está ninguém. Mal vemos os filhos a crescer", lamenta Manuel.
Já era casado quando assumiu o horário da noite e admite que não é fácil gerir a família, mas à noite ganha-se mais porque se recebe subsídio noturno.
O som do motor da máquina de tinta é a música que guia o trabalho que, para já, ainda vai sendo simpático com o corpo. "Quando chega o inverno, é tudo muito mais difícil", remata Manuel. "É preciso gostar do que fazemos. É duro trabalhar à noite".
Recolha de Lixo
Resultado gratificante
Pára, arranca, sobe e desce. É o ritmo que marca a recolha de lixo porta a porta. As luvas protegem as mãos da dureza do serviço que rouba, há treze anos, as noites de José Agostinho.
"É mais desgastante trabalhar à noite, mas são opções que se tomam", diz timidamente José. "Vou e venho todos os dias para Penafiel, só lá para as 4/4.30 horas chego a casa."
O som do sistema de suspensão do camião atropela a conversa. Diz que gosta do que faz e sorri para toda a equipa, mas admite que custa. "A noite é muito dura e de dia não consigo dormir muito, porque tenho uma filha para levar à escola".
A mudança para um sistema de recolha de lixo separado e individualizado facilita o trabalho. "Temos de andar muito mais, porque a cada dois metros há um contentor, mas é menos sujo do que os contentores grandes", explica com orgulho. "É muito gratificante ver que a cidade fica mais limpa com o nosso trabalho".
No segundo camião das equipas de recolha porta a porta, Raul "Cagança" Sousa, 59 anos, arranca gargalhadas. Há mais de 20 anos que trabalha à noite na recolha de lixo e sente-se honrado por poder fazer este trabalho. Passou para o horário da noite, porque ganha mais, mas também porque lhe dá mais tempo para a vida social e para a família. "Gosto do que faço e gosto de ver que os locais por onde passo fiquem limpos. É sempre uma honra ver que a cidade acordar limpa para receber os munícipes e todos os turistas que nos visitam", exclama Raul.